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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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Premonição

Eu estava navegando com vários amigos durante o último final de semana. O litoral do Espírito Santo enche os olhos do capixaba. O passeio transcorria de forma prazerosa, embora antes de chegar ao Iate Clube, quase atropelamos uma senhora. Aliado a isso, nós tivemos outro sério aborrecimento quando uma lajota despencou do alto de uma construção civil e por pouco não partiu a minha cabeça. Para acabar de piorar, o bombeiro do posto de combustível, inadvertidamente colocou álcool no tanque de gasolina da lancha e ficamos parados bastante tempo no meio do mar, mas acabamos sendo auxiliados por outros navegadores que nos ofereceram gasolina. Após esgotar o tanque, reabastecemos e levantamos ferro. A partir daí, tudo foram as mil maravilhas. O sol e o mar estavam disputando qual matiz azul de cada um deles, era o mais belo. Tudo parecia bem quando, em dado momento, um imenso navio petroleiro, entrando na baía de Vitória, veio em nossa direção, colidindo com nossa lancha e explodindo tudo.

Um corpo boiava entre os escombros; era o meu e estava vivo!  Lançado para longe, em virtude do impacto violento, apenas eu tinha sobrevivido; todos os demais pereceram.

Atordoado com tudo aquilo e antes de ser içado para dentro da lancha da capitania dos portos, eu ainda pude ouvir o barulho da campainha de um telefone chamando. Eram sete horas da manhã. Acordei sobressaltado da cama. Eu havia sonhado tudo aquilo! Louvado seja Deus! Tudo não passava de um pesadelo.  Um pouco mais calmo, sentei na cama e atendi ao telefone; eram meus amigos solicitando que eu fosse com eles, na minha lancha, presenciar um acidente entre uma embarcação e um petroleiro, que acabara de acontecer na entrada da baía de Vitória.

Eu disse que não iria por nada deste mundo. Eles continuaram insistindo e eu continuei recusando. Por fim, minha namorada acabou convencendo-me e eu fui. Engatei o reboque com a lancha no engate do carro e partimos para o Iate Clube.

Nem bem curvamos a primeira avenida, quase atropelamos um mendigo. Passado o susto, ouvi quando uma tábua que havia desprendido da marquise de uma construção passou zunindo rente a minha orelha. Minutos depois, alguém lembrou que deveríamos parar para abastecer o carro e a lancha. Entramos num posto e somente quando ligamos o motor é que fomos descobrir que o bombeiro havia colocado gasolina no carro e álcool na lancha. Como ainda estávamos no píer, foi menos complicado resolver esse problema.

Entramos na embarcação e partimos para o local do sinistro. Lá chegando, descobrimos que alguém havia exagerado sobre o tal acidente. Um pequeno barco pesqueiro havia levemente esbarrado numa lancha, derrubando apenas um tripulante na água. Na hora do acidente ele tirava uma soneca, com o celular na mão; acordando, não com a água fria, mas quando a campainha do telefone começou tocar.

Passados alguns dias, eu contei esse episódio para alguns amigos, no Iate Clube. Em dado momento, um deles sentenciou: Poxa, João! Você tem obrigação de ter morrido nessa história!

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Um bom filho da PUC

Natal de 1978. Eu acabara de me formar em medicina. A arte é longa, a vida é curta. Após seis longos anos, teria ainda de fazer pós-graduação para sedimentar meus conhecimentos. Para esse fim, prestei um novo vestibular e acabei sendo aprovado. Tornei-me um filho da PUC. Exultava de orgulho e vaidade. Por outro lado, meu coração sangrava. Eu havia terminado um breve namoro de quatro meses, que tanto me marcou. Tão efêmero o amor e tão longo o esquecimento! Enquanto as demais pessoas ainda festejavam o natal, meu ser clamava pela chegada do ano novo. Despedindo-se de mim, de pé na plataforma da rodoviária, alguns amigos, confundindo a esperança nos meus olhos com o desalento do meu coração, diziam que eu estava amando. Sim, eu estava amando... a mando do capeta!

Calma, disse um deles: Você sabe o que você tem que sua namorada não tem? Eu respondi: Não! Tem que se lascar!

Deus me fez sem aquele charme irresistível, arma tão necessária para conquistar as princesas, mas me indenizou com a inteligência.

Nove horas depois, eu rio, já estamos em janeiro: Rio de Janeiro! Quedo-me, boquiaberto com a Cidade Maravilhosa. Olhava, fascinado, para o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor! Sorria frente à irreverência do carioca: Ao meu lado, um apressado passageiro pergunta para o motorista do coletivo: Esse ônibus vai para a praia?

-Bem, se você arranjar um calção que caiba nele!

Os dias se passam e eu, que devia uma homenagem à minha auto-estima, fui pagando a dívida alimentando o coração com novidades. Estudei bastante. Assistia a aulas pela manhã, freqüentava ambulatórios durante a tarde e cobria plantões em pronto socorro noite adentro monitorado por grandes e inesquecíveis mestres. Não recebia nenhum dinheiro, entretanto, cada vez mais me nutria de ciência e experiência.

Um belo dia, durante uma palestra, o professor discorria sobre “sístoles” e “diástoles”, esses batimentos cardíacos tão vitais. Eu comentei que o intervalo de som existente entre os dois ruídos é de uma “quarta justa”, representando as notas musicais “si” e ”mi”. Questionou: Como você sabe disso?  Afirmei ter conhecimento de acústica, porque estudava piano. Ele declarou que sua esposa era pianista e, com isso, acabei me tornando seu pupilo predileto. Além de jantar e tocar piano em sua residência quase toda semana, fui convidado para atender em seu consultório particular e faturar uns trocados. “O paciente particular paga para não esperar”. “O paciente do SUS espera para não pagar”. Quem não gosta e não necessita de dinheiro?! Apesar disso, eu exalto a sabedoria e a erudição. Quanto vejo um milionário falando errado e desprovido de cultura, eu digo: Você não é rico! Você é apenas um pobre que tem dinheiro!

Mesclados à seriedade das aulas, também ocorriam fatos hilários e inusitados. Durante o atendimento no ambulatório de psiquiatria, observei, numa tarde, um paciente se sentar e queixar para o médico: Doutor! Ninguém liga mais pra mim! Ninguém me dá mais atenção! Ninguém me nota! Depois de olhar, durante um segundo, para ele, o psiquiatra vira-se para a secretária e diz: Mande entrar o próximo!

Minutos depois, a atendente entra na sala e diz: Doutor: tem uma mulher lá fora dizendo que é invisível! O psiquiatra responde: Diga a ela que agora eu não posso vê-la.

Numa certa manhã de domingo, recebo, logo cedo, um telefonema do titular da cadeira de clínica médica, solicitando que eu atendesse um paciente em casa. Sem pestanejar, peguei minha maleta e parti para o endereço informado. Passei longas horas entrando e saindo de ônibus e quando percebi estava dentro de uma favela, cercado por indivíduos armados e mal encarados. Conduzido por eles, atravessei vielas estreitas, parando a todo instante para que eles pudessem trocar tiros com a polícia. Com o coração descompassado, finalmente chegamos a uma pequena casa onde me deparei com uma senhora bastante idosa deitada no chão e apresentando um quadro de derrame cerebral. Seus sinais vitais estavam bastante comprometidos. Examinei cuidadosamente a paciente e logo constatei que suas chances eram mínimas. Antes mesmo de repassar seu estado dramático para os familiares, fui puxado para o quintal localizado atrás do barraco e envolvido num ritual de candomblé. Depois de fumar aquele charuto que passava de boca em boca, e beber talagadas de cachaça, alguém disse que o “caboclo” iria me ajudar no tratamento da paciente, pois eu era “Filho de Ogum!” Respondi: Só se for de “ogum retardado”. Eu afirmei que seria mais prudente ser auxiliado por uma ambulância, já que a enferma necessitava internamento urgente. Lá fomos nós, eu e aquela facção do comando vermelho, com seus fuzis AR15, em direção ao hospital. Após peregrinar durante horas, consegui uma ambulância e internei a pobre senhora. De tanto andar e suar, surgiu uma sede intensa. Paramos num bar e eu pedi uma “coca”.

Exclamou um dos traficantes: Doutor, se minha avó salvar, eu te dou um quilo! Caso contrário é melhor o senhor pedir ao garçom uma “porção de vidro moído”.