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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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Areias Monazíticas

Navegando semana passada pelo litoral de Guarapari, meu coração se lambuzava de emoções colhidas pelos olhos pousados sobre suas paradisíacas praias, enquanto meus pensamentos, inebriados pela exaltação da memória, pulavam de um lado para outro entre o presente e o passado, sem cerimônia. Lá estava eu pela primeira vez e com apenas nove anos de idade, deitado, ou melhor, enterrado até o pescoço sob aquela misteriosa e pegajosa areia preta. Meus mineiros tios cantavam loas às propriedades medicinais das areias monazíticas. Diziam que curava tudo: reumatismo, diabetes, hipertensão e até infecções. Apesar de jovem e de gozar de plena saúde, adorava chafurdar naquela espécie de lama terapêutica.

Em menos de um segundo meu pensamento queima 15 anos de memória e agora estou me vendo cursando o terceiro ano de medicina. Meu solene professor de gastroenterologia descreve um caso de hepatocarcinoma. Ele frisa categoricamente sobre o aumento dessa patologia nos moradores de Guarapari. Argumenta que os efeitos radioativos da areia monazítica inibem a divisão celular (mitose), favorecendo a baixa de imunidade. Nesse instante as lembranças vasculham meus 27 anos de exercício médico sem encontrar um só caso de câncer do fígado causado pela cidade das garças rosadas.

Meus pensamentos teriam continuado pulando entre essas duas maravilhosas épocas, mas, interrompidos pela presença de um navio cargueiro, eles alçam vôo para o início do século passado. O extraordinário do pensamento é poder viver numa época em que o próprio pensador ainda não tenha nascido! Corria o ano de 1906. Guarapari era uma aldeia rústica perdida no litoral do Espírito Santo. Mesmo assim, as propriedades radioativas das suas areias já eram conhecidas lá no estrangeiro. Uma empresa de nome MIBRA (Monazita Ilmenita do Brasil) se instalou na ensolarada cidade fundada pelo Beato Anchieta. A princípio sua atividade era extrair o elemento tório para fabricação das camisas incandescentes utilizadas nos lampiões á gás, já que toda iluminação residencial era naquela época gerada por esses lampiões.

Interessante observar que mesmo depois do aparecimento da luz elétrica, a empresa MIBRA continuou exercendo suas atividades. Além da extração local do Tório, ela transportava areia nos seus navios, rumo aos Estados Unidos. Justificava que a presença de areia nas embarcações era para gerar lastro – adequar o peso do barco ao equilíbrio. Na verdade a empresa estava comercializando essa rica fonte de elementos radioativos (monazita, zircônio e ilmenita) como matéria-prima para a fabricação de bombas atômicas, como aquelas que foram lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki. Naquela época ninguém tinha a menor idéia desse fato. Após o final da II Guerra Mundial, mesmo sendo desmascarada suas funções, a empresa se utilizou durante bastante tempo de recursos escusos junto a governantes corruptos para continuar saqueando nosso patrimônio mineral e ecológico.  Felizmente, na década de 50, um ilustre vereador, com visão ambiental, resolveu intervir. Movendo os céus e a terra, promoveu comícios de protestos, simpósios de esclarecimentos, sessões de denúncias, despertando a imprensa brasileira para o caso. Enfraquecida pela impopularidade, devassada pelas denúncias e coagida pela legislação, a MIBRA fechou suas portas.

Recapturando meus pensamentos perdidos na memória, ainda queimo uma grande quantidade deles para tentar entender um país belo e rico como o nosso, que continua patinando na corrupção, reeditando suas mazelas, como faz o PT nesse momento. Meus aplausos ao vereador Manuel Moreira Camargo, que expulsou a MIBRA de Guarapari.

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Drogas sobre rodas

Que alguns jovens, freqüentadores de barzinhos e boates, retornam para suas casas, dirigindo embriagados, todo mundo sabe.

Que vários motoristas de caminhões utilizam anfetaminas, tentando melhorar seus rendimentos nas estradas, todo mundo também sabe.

Que muitos cidadãos, diariamente rumo ao trabalho, drogados, guiam seus automóveis, bem...isso poucas pessoas sabem, inclusive eles próprios.

Estamos vivendo uma era medicada. Tentamos resolver, além das doenças, todos os nossos problemas, com remédios. Seria ingênuo afirmar que a humanidade não se beneficia com as surpreendentes descobertas de fármacos, que vem revolucionando o tratamento de inúmeras doenças. Todavia, cabe ao bom senso separar o joio do trigo. A presença sistemática, do marketing irresponsável, da propaganda enganosa, da prescrição exagerada e da omissão dos órgãos de saúde, todos colaboram para dar foros de verdade à tolice de se acreditar que o nosso corpo e a nossa mente necessitam de tratamento para absolutamente tudo, carecendo de defesas naturais e precisando do amparo das drogas para resolverem seus impasses.

Até o Comitê Olímpico Antidoping está perplexo com o excesso de exames positivos encontrados nos seus sadios atletas. Muitos deles fazem uso de fármacos, cujo efeito colateral, possui implicações legais.

Apavora-me, também, observar a presença de tantas pessoas dirigindo, inocentemente, seus veículos, sem perceberem que as drogas tão simples que ingeriram no dia anterior, ameaçam seus reflexos, aptidões e acuidades, colocando em risco suas vidas.

Drogas prosaicas, utilizadas no tratamento da gripe, pressão alta, ansiedade, vômitos, alergia, entre tantas outras, apresentam o efeito de intervirem nas transmissões do sistema nervoso central, alterando seu funcionamento. As células nervosas possuem braços denominados axônios e dendritos. A ligação dessas estruturas forma verdadeiros cabos onde trafegam as mensagens cerebrais. A união de um axônio com um dendrito, chama-se sinapse. Nessa região operam substâncias denominadas neurotransmissores. Serotonina, Dopamina, Noradrenalina, entre outras, são catecolaminas responsáveis pela aceleração, bloqueio ou redução de um determinado estímulo nervoso. Inúmeros medicamentos interferem no trabalho desses neurotransmissores, inibindo ou estimulando suas ações.

Semana passada, eu prestei socorro a uma senhora que havia batido com seu carro no cruzamento localizado em frente ao aeroporto. Felizmente, após quebrar a cerca colocada nas margens da pista para avisar a presença de obras, derrubando dezenas daqueles cones perfilados ao longo do canteiro, e atropelando a motocicleta do policial de trânsito, que por sorte operava seu apito a dez metros de distância, a mulher apenas deslocou sua clavícula. Interrogada sobre como conseguiu tal proeza, ela, meio apática, não sabia o que responder. Perguntei se havia tomado algum medicamento. Informou-me ser usuária da droga Bromazepam, fazendo uso dela todas as noites. Esse ansiolítico retira a ansiedade, relaxa e faz dormir. Todavia apresenta um imperceptível efeito residual, alterando os reflexos do indivíduo até 36 horas depois de administrado.

Enquanto eu tratava de acalmar o guarda, que olhava sua moto sucateada, a motorista perguntava para o seu cachorro, deitado no banco de trás do automóvel: Rex! Você se machucou?

O pequeno cão, completamente desorientado, olhava para ela, sem nada entender.

Rex! “Fale” alguma coisa?

Ela jurou ter ouvido o Rex responder: Hã? Hã? Miau! Miau!

Motorista! Cuidado! Talvez o seu Anjo da Guarda, amante de uma vida saudável, alimentação equilibrada, exercícios físicos e adepto ao uso racional de remédios; resolva tirar umas férias, e te deixe sozinho no volante...

 

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