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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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Médico em carne e osso

Boas épocas aquelas em que os médicos tinham tempo para se dedicar e envolver e seus pacientes tinham tempo para ouvir e compreender.

As pessoas vivem hoje amordaçadas pelas horas e essa falta de tempo provoca condições insalubres para todos.

Os pacientes, reféns de horários com trabalho, colégio, família, presos a dezenas de encargos sociais, aliados aos sofrimentos causados pelas doenças, estresses, violência insegurança, desapontamento com hospitais, decepções com convênios e diminuição da relação cordial entre eles e vários profissionais da saúde; frente à mínima provocação acendem o estopim da intolerância, gerando quebra de empatia e desconforto para si mesmo e para o profissional que o atende.

Saindo de um plantão noturno, extenuado pela noite em exercício de minha profissão, pela manhã alcanço o consultório e tão logo examino minha agenda, percebo o enxame de clientes marcados. Para não diminuir a qualidade no atendimento daqueles que agendaram suas consultas, solicito à minha secretária que se contenha ao encaixar outros pacientes eletivos, sabendo que não iria dar conta do serviço que tanto prezo pela atenção e dedicação.

Embora dentro dos meus humanos limites e apesar de tentar contornar sempre a situação, deparo-me com o inevitável: Motivado pela justificada urgência, o paciente pressiona minha secretária para ser atendido, desmantelando o clima de amabilidade e rachando o difícil arranjo dentro do meu tempo que escoa nos meandros da minuciosa semiologia.

Costumo tentar fazer entender aos meus clientes que, nessas situações, procure um serviço de pronto-atendimento até que eu possa encontrar um jeito de dar para ele a atenção que ele merece. Com isso, eu não estou tentando descartar meu paciente, mas resolver seu padecimento que naquele momento é prioridade e não me será possível debelar.

Como a dor de um filho, o sofrimento de um pai e a angústia dos familiares não pode esperar, o médico deve ser sensível em arranjar uma solução imediata. Destarte, o paciente acabou sendo atendido.

Existe diferença entre urgência e emergência. Embora o sofrimento seja o mesmo, na emergência existe risco de vida; aí nada deve deter o profissional de largar tudo e lançar mão rapidamente de todos os recursos para salva-la.

O médico também costuma se deparar com situações crônicas, onde calma e prudência caracterizam sabedoria. Dificuldades, incompreensões e desentendimentos fazem parte na rotina daqueles que labutam na medicina. Esses percalços amadurecem e dignifica o profissional, tal como o vento, que necessita encontrar pela frente um obstáculo para não perder sua força e se dissipar na imensidão.

Em sua luta diária contra o sofrimento, a função do médico é afastar a doença o mais rápido possível do paciente; mas qual seria o objetivo da enfermidade, tão presente no ser humano?

A doença, que ensina o indivíduo a morrer, também o ensina a viver!

Uma das funções da patologia incurável é nos dar coragem para morrer, uma vez que, na medida em que nos domina, diminui nosso apego à vida.

Talvez, por esse motivo, adoecemos tanto na velhice. Envelhecendo devagar, quase imperceptivelmente a natureza nos familiariza com essa miserável condição, que é a morte. O divórcio entre ela e a eternidade nasceu no paraíso!

Existe um interessante paradoxo que a fama produz na relação médico-paciente: Quando um paciente briga com o Senhor João por causa do Doutor João, na verdade ele está dizendo que confia na medicina do Doutor João, mas o Senhor João não é valorizado como ser humano finito; e sim idealizado apenas naquilo de imortal que luta para oferecer: a continuação da vida.

Interessante notar que quanto mais o Doutor João é valorizado, menos tem tempo de ser o Senhor João, pois aumenta o número de pessoas que o procuram, achatando e minguando o tempo em que labuta na sua condição humana.

Por outro lado, o Senhor João, para proteger o Doutor João, tem que fazer das tripas o coração para domesticar a enfermidade, prometendo a difícil tarefa de continuar correndo contra o tempo, tentando, com a cura, alcançar as alturas onde foi depositado seu prestígio.

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