Polêmica canina
Quase todo cão tem seu animal de estimação. Alguns, embora com duas pernas, nem sempre podem ser chamados de racionais. Estava eu, algum tempo atrás, andando pelas areias da Praia da Costa, quando observei um robusto rottweiler caminhando ao lado de seu dono, um magrelo com cara de imbecil, segurando uma coleira na mão. Mal me avistou, Killer (era esse o nome do matador) partiu pra cima de mim, com o nítido propósito de fatiar minha perna. Após ter entrado na água, a contragosto, decidi procurar um policial.
Alguém já tentou achar um agente da lei no calçadão da Praia da Costa, num domingo, pela manhã? É um esforço malogrado. Também pude observar que Killer deve ter comido algo estragado, não estando nos seus melhores dias; tanto que depois da cagada que aquele cidadão fez comigo, seu fiel cão se agachou e imitou sua atitude. Apesar disso, devo dizer que tenho o maior carinho pelos animais. Já tive inúmeros cachorros e sei interagir com eles. Repudio a idéia de vê-los maltratados. Entretanto, não aceito essa idéia, muito em moda, de que temos sempre que transformá-los em gente, para compreendê-los.
Cachorro não é substituto de brinquedo, filho e nem irmão caçula. Eu critico, veementemente alguém beijar na boca de um cão e comer no mesmo prato de comida, com ele. Acho isso nojento. A flora bucal do animal contém bactérias diferentes da nossa, podendo gerar doenças, tanto nele, quanto em nós. Além disso, não adianta escovar os dentes do Totó, porque hálito de cachorro é bafo.
Levar cachorro pra cama é também o fim da picada; eu nunca vi um cão levantar da cama e dizer para o dono: Vou ao banheiro e já volto. Tudo bem, mas puxe a descarga quando você acabar. Cachorro no calçadão, também não é tão educadinho como nós sempre pensamos: Ele adora uma confusão e se você der o azar de encontrar com uma cadela no cio, não haverá nada que o convença de achar que calçadão não é motel.
Cachorro em condomínio; aí é de lascar. Ele late de um lado e o dono grita do outro, pedindo pra parar. Nesse momento, você fica sem saber o que é pior: O latido ou o grito. Eu desconfio que esse amor incondicional que muitos dizem ter pelo seu cão, na verdade é o amor pela escravidão e obediência do quadrúpede; afinal, cachorro não fala, não discorda de nada, aceita tudo, não pergunta onde você errou, não contesta sua autoridade e, se o fizer, ele entra no cacete e não haverá sociedade protetora de animal que fará você acreditar que não é você que manda e que ele é apenas um reles cão pulguento. Expulsai a índole e ela volta a galope! Nunca é demais lembrar que sentimento de bicho é instinto, é medo, é submissão. O amor de seu dono, na verdade, é o amor pela sua subserviência. Experimente amar uma jaguatirica?! Como ela tem instinto selvagem, não se deixa levar pelos seus caprichos, e você logo antipatiza. Amor pelo cão é sempre amor do dono por si mesmo, projetado no cão; esperando a quimera de um mundo perfeito, sem contestação; um egoísmo onde o animal superior, a guisa de sentimento, manda no inferior.
Na verdade. Em nome de uma ilusão, olhamos nos olhos dos animais, procurando sua alma, mas acabamos mesmo é vendo o reflexo de nossos próprios devaneios. O homem anda se sentindo vazio, com saudades do paraíso, onde não existia hierarquia; onde, sem ter comido o fruto do conhecimento, tinha a mesma consciência dos outros animais. Estamos vivendo um mundo curioso: Cada dia que passa, perdemos a capacidade de nos entendermos, de respeitar nossas diferenças, gerando discórdias, guerras, intolerâncias e injustiças.
Por isso, voltamos nossas esperanças para o reino animal, onde um relacionamento de mão única é gratificante, mas não nos faz crescer e amadurecer, enquanto gente.