Vila moderna
Apesar da melhor das boas intenções, claramente visível no semblante vitorioso do prefeito eleito de Vila Velha, preocupa-me ele ter dito que nossa velha vila brevemente será chamada Vila Moderna.
Educação, transporte, saúde; esses velhos e sempre lembrados chavões são imperiosamente necessários aos habitantes de uma cidade, mas poucos são os prefeitos que percebem a visível queda na qualidade de vida que o berço do Espírito Santo vem alarmantemente apresentando. O progresso é bom e necessário, mas, sem controle, tem deixado seus efeitos colaterais em nosso município, padecendo com prédios em excesso, carros em demasia, poluição sem medidas e violência desarvorada.
Todo ser humano quer ser imortal; alguns nas artes, outros na política, mas basta verificar alguns bustos nas praças para sentir seus pés de barro. Suas quiméricas soluções, seus projetos grandiosos, antes soluções, hoje são problemas. A vaidade germina os grandes males do mundo, com o peso do passado e a miragem do futuro oscilando entre a ilusão suprema de viver na dimensão do projeto.
Difícil o eleitor que não é seduzido pela miragem de uma felicidade futura; e raro o político que pensa na qualidade daquilo que faz.
Se a natureza não é mais misteriosa, se ela não é mais sagrada, então nada nos impede mais de utilizá-la como quisermos. Ela se tornou uma espécie de loja onde os seres humanos podem se abastecer à vontade. Vale tudo. O progresso não tem outro fim além de si mesmo, de fazer usufruir. Desprovido de qualquer espécie de objetivo definido, ninguém mais sabe para onde o mundo nos leva. A lei vigente é progredir ou perecer vítima de quem progride. Estamos nos afastando do bom senso em nome do tal progresso. Embevecidos, nossos governantes assistem, praticamente anestesiados, às evoluções do mundo, mantendo o discurso de tudo melhorar, cheio de resoluções edificantes; mas sem efeito real sobre as situações. Já não olhamos mais para o relógio para verificar as horas, mas para verificar ”quanto falta”.
Talvez fosse o momento daqueles que seguram o timão do progresso pensar mais em equilibrar do que empurrar para frente. A dinâmica da vida ensina que acelerar é tão prejudicial quando parar.
Eu desejo ao nosso novo prefeito, toda sensatez para fazer de Vila Velha, não uma cidade grande, mas uma grande cidade; não uma cidade de humanos, mas uma cidade humanizada, não uma cidade dinâmica, mas prazerosa. Afinal, de que adianta a chegada de tantas indústrias, a construção de tantos prédios, a circulação de tantos carros, a instalação de tantos shoppings elegantes; se temos mendigos para todo lado, ruas apertadas, motoristas estressados, trânsito caótico, ar poluído e pessoas assaltando e se matando?!
Antigamente, quando errava por entre as pitangueiras, coqueiros e cajueiros que vicejavam na exuberante floresta atlântica existente na Praia da Costa, eu tinha medo de animais e assombrações e dava graças a Deus quando ouvia passos de alguém que poderia andar juntos. Eu exclamava: Que bom, vou ter companhia!
Hoje, quando caminho pelas ruas pouco movimentadas, principalmente durante a noite, exclamo, com medo: Deus do céu! Vem vindo alguém!
Um progresso que transforma ”venha cá” em “alto lá” certamente deve merecer reservas na mente do nosso novo prefeito.