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Propostas para construir poderes éticos e transparentes

Temos falado aqui nessa coluna sobre o papel dos cidadãos na construção de um sistema político mais ético e transparente. Isso não pode, no entanto, nos fazer esquecer da responsabilidade que os agentes políticos têm para isso. Especialmente, no caso desse ano, os vereadores e prefeitos. A construção de poderes éticos e transparentes, destaque-se, não é fruto de nenhuma bondade dos gestores públicos, mas, sim, fruto de mandamentos constitucionais e legais.

Estão lá no Artigo 37 da Constituição Federal, entre os princípios da administração pública a moralidade e a publicidade, que, como sempre gosto de destacar, não significa esse último fazer propaganda e sim tornar público. Essa obrigação está presente, também, na Lei Complementar 101 de 4 de maio de 2000, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e na Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011, também conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), entre outras.

Para que esses postulados de ética e transparência sejam, de fato, transformados de princípios legais em práticas cotidianas muito já está estabelecido em lei e precisa ser tão somente colocado em prática, mas atitudes inovadoras e pró-ativas podem ser tomadas.

Sugerimos aqui algumas dessas medidas:

A adoção de audiências públicas para a discussão dos projetos de lei, tanto os de origem no Poder Executivo quanto os do Poder Legislativo, bem como para a definição dos principais gastos dos poderes; implementar os portais de transparência, ao menos, com as informações definidas na LRF e com linguagem clara e de forma acessível; reduzir o número de cargos comissionados, substituindo os mesmos por servidores concursados; ampliar e capacitar os mecanismos de controle interno e suas conexões com o controle externo; implantar códigos de ética para os servidores e os membros da alta administração, bem como comitês de ética pública para o acompanhamento da execução desses códigos; estabelecer, com ampla participação da sociedade, mecanismos de discussão do orçamento público, bem como das políticas públicas a serem executadas e, por fim, mas não menos importante, estruturar, como manda a LAI, mecanismos para o fornecimento de todas as informações públicas que podem ser solicitadas pelos cidadãos. Essas medidas, com certeza, contribuiriam para controlar a corrupção e, ainda, para o aumento da eficiência das ações do poder público, este também um dos princípios constitucionais.

Como escreveu o famoso escritor francês do século XIX, Victor Hugo, no seu clássico livro Os miseráveis, “O que é preciso para fazer essas larvas desaparecerem? Luz. Luz em abundância. Nem um só morcego resiste ao alvorecer. Iluminemos o subsolo da sociedade.” Não custa lembrar que os tributos pagos pelos cidadãos, que já somam cerca de 37% (trinta e sete por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) precisam ser aplicados para produzir resultados para a sociedade. É para isso que existem os poderes públicos.

É com esse fim que devem agir. É dessa com esse objetivo que devem ser acompanhados e cobrados pelos cidadãos. É com esse intituito que devem ter a sua ação objetivamente avaliada. Promessas só servem se transformadas em realidade. Discursos vazios não melhoram a qualidade de vida dos cidadãos. Disso, com toda certeza, estamos todos cansados. A hora é de ação.

Rafael Cláudio Simões (Historiador, professor universitário, secretário-geral da Transparência Capixaba e membro da Transparência Brasil

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Perspectivas para 2010

Quando olhamos para o ano de 2009 no que diz respeito à ética na política o panorama parece desanimador. Prosperou a impunidade e o caso do Senado, com o Senhor José Sarney mantendo a presidência e nada de novo promovendo é um exemplo – infelizmente apenas um – muito claro desse estado de coisas.

Apesar disso as perspectivas para o ano de 2010 são promissoras. Claro está que as mudanças são progressivas e se darão, somente, na medida em que a pressão sobre os poderes públicos se mantiver. Não há solução política – muito menos burocrática – para a questão que não envolva algum tipo de mobilização da sociedade.

Três elementos são marcantes para realizarmos um processo político que avance na construção de um sistema político mais ético, transparente e controlado.

A primeira questão que se destaca são as eleições. Aqui são várias as possibilidades para que a sociedade consiga influência na questão. Cobrar e responsabilizar os partidos pelas indicações que fazem de candidatos. Exigir que as propostas sejam claramente apresentadas e de acordo com o cargo que se pleiteia, estimular processos de capacitação dos candidatos, acompanhar – denunciando quando ocorrer – possíveis usos da máquina pública para apoiar candidatos, cobrar das entidades das quais se faz parte que se manifestem sobre o processo eleitoral, não apoiando candidatos, mas analisando suas diversas manifestações, utilizar a Internet para debater as propostas, são algumas das ações que os cidadãos podem ter durante todo o ano.

Um segundo elemento é lutar para que o Congresso Nacional aprove, ainda no primeiro semestre de 2010 o projeto de lei da Campanha “Ficha Limpa”. Esse projeto, que você pode conhecer no site www.mcce.org.br, amplia a lei das inelegibilidades, estabelecendo uma série de novas proibições. Será, com certeza, mais um instrumento para proibirmos candidaturas indesejáveis.

O terceiro destaque é que a partir de meados do ano entra em vigor as alterações na Lei Complementar 101 que estabelece a obrigação para a União, Estados e municípios com mais de 100 mil habitantes de publicarem de forma detalhada de receita e despesa em meios eletrônicos de acesso público, aquilo que se convencionou chamar de portais de transparência. Os municípios de 50 a 100 mil habitantes terão essa obrigação a partir de 2011 e os com menos de 50 mil a partir de 2013.

Existem, portanto, perspectivas concretas para um ano de 2010 bastante melhor que o de 2009.

Certo, no entanto, é que essas promissoras expectativas só se concretizarão, minimamente, na medida em que ocorrer um forte processo participativo.

Quando se fala em participação, não se quer dizer em pessoas nas ruas, em passeatas ou manifestações. Hoje em dia, com as possibilidades que temos graças ao enorme desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação esse tipo de atividade pode se dar das mais variadas formas basta sabermos
aproveitar e nos inspirarmos um pouco pelo espírito de ano novo.

A todos um maravilhoso 2010, com saúde, paz, ética e transparência.

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Os políticos sucupiranos

Os políticos sucupiranos, esses exóticos dirigentes da curiosa cidade, usam linguagem empolada, fazem o discurso da lei, da ordem, da honestidade e dos princípios, prometem realizações progressistas e melhoria contínua da qualidade de vida.

Os políticos sucupiranos dizem loas à democracia e à imprensa livre, além de prestar relevantes honrarias à sociedade civil, muitas vezes convidando seus líderes para cerimônias oficiais.

Os políticos sucupiranos defendem com unhas e dentes a transparência e o controle social nos assuntos públicos, sendo essas, dizem eles, ferramentas fundamentais da cidadania e do bom uso do erário.

Os sucupiranos, cristãos que são se preocupam, nos discursos, com a qualidade de vida dos mais pobres, prometendo, sempre, medidas para lhes aliviar a miserável condição.

Os políticos sucupiranos defendem com toda a garra a justiça para todos e um julgamento imparcial com amplo direito de defesa para todos.

Os políticos sucupiranos abominam a corrupção, afirmando, dia após dia, que ela não tem lugar em sua sociedade e que todos os casos descobertos devem ser exemplarmente punidos com todos os rigores da lei.

Os políticos sucupiranos, como liberais admiradores da livre empresa, buscam construir um Estado – que não seja nem máximo nem mínimo – e, sim, regulador, sempre em benefício da sociedade.

Os políticos sucupiranos, preocupados com a vida em todo o planeta, garantem que sua contribuição à sustentabilidade é diuturna, seja por meio da preservação, seja por meio da reciclagem.

Os políticos sucupiranos reconhecem o papel da educação na melhora de, praticamente, todos os aspectos da vida humana, e, por isso, sempre, se apresentam preocupados com o tema.

Os políticos sucupiranos percebem que um item imprescindível para uma qualidade de vida decente é a saúde. Para isso, se prontificam a promover campanhas preventivas e estruturar um sistema de saúde que a todos atenda.

Os políticos sucupiranos, por se sentirem modernos e politicamente corretos, usam mesmo a expressão up to date, revelam interesses em temas como prostituição infantil, pedofilia, uso de álcool e direção, uso de drogas e outros temas do século XXI.

O único problema dos políticos sucupiranos é que tudo isso não passa de discurso.

Usam e abusam do poder, desdenham da sociedade e da política, empregam parentes e apaniguados aos borbotões, reclamam da imprensa e dos órgãos de controle, tentam – às vezes conseguindo – controlar a imprensa, não trabalham com planejamento e prevenção e, sim, aos tropeções, utilizam-se do Estado para intervir em negócios privados ou para deles fazerem uso, odeiam a transparência pública, criando portais de transparência ao estilo “me engana que eu gosto”, e tantas coisas mais que seria cansativo descrever.

Os políticos sucupiranos – como seus contraparentes da República de Bruzundanga* ou da Oceânia** falam uma linguagem hermética com muitas vírgulas e cheias de significado invertido. Alguém já a denominou de Novilíngua.

A sorte dos políticos sucupiranos é a apatia e o desinteresse dos cidadãos, a falta de uma justiça livre, efetiva e independente, a torrente de descontinuadas informações que abarrotam os cidadãos, a capacidade – mesmo em condições adversas – de se construir a vida no cotidiano, a propagação do jeitinho como um típico valor sucupirano.

O típico político sucupirano é Odorico Paraguaçu***, mas eles podem, também, ser encontrados em Bruzundanga, na Oceânia e até mesmo, surpreendam-se, no Brasil. Ocupam posições importantes e continuam, modernos que são, in business as usual, enquanto os cidadãos sucupiranos não os varrerem do poder.

 

* - Bruzundaga é um país imaginário criado por Lima Barreto no seu clássico, de 1918, “Os bruzundangas”.

** - Oceânia (assim mesmo com acento) é um dos imaginários países do clássico de George Orwell, publicado em 1948, intitulado 1984, onde se fala a Novilíngua.

*** - Odorico Paraguaçu é o prefeito da ficcional Sucupira, cidade criada pelo dramaturgo brasileiro Dias Gomes na sua peça de teatro Odorico, o Bem Amado ou Os Mistérios do Amor e da Morte, pela primeira vez encenada em 1969 e depois transformando-se no clássico da TV brasileiro sendo interpretado por Paulo Gracindo.

 

 

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Mais um mensalão, agora do Democratas

Foi divulgado no fim de semana mais um mensalão no país. Primeiro foi o mensalão tucano de um esquema que girava em torno de Eduardo Azeredo (PSDB) e do publicitário Marcos Valério. Depois veio o mensalão petista, Delúbio, Zé Dirceu e outros foram envolvidos com o mesmo Marcos Valério. Agora chegou o “Panetone Gate” com Arruda (governador do DF – DEM), o seu vice, Paulo Otávio (DEM) e outros personagens “menores”.

O cidadãos comum, vendo essa repetição de práticas políticas imorais e ilegais (entremeadas com escândalos como o do Senado Federal) fica com a impressão de que não tem jeito.

Volta a cantilena conformista. “Sempre fomos assim”, “A nossa história é cheia de exemplos iguais ou piores” e por aí vai a arenga monótona e tediosa.

As coisas têm jeito. Nada rápido, nada fácil e nada que seja tarefa de algum super-homem. É algo demorado, com relativa complexidade e tarefa coletiva.

Com mais esse episódio algumas evidências vão se cristalizando no sentido de onde temos que atacar o problema.

Uma questão fundamental é a punição. Não é possível deixar esses espetáculos canhestros (cuecas e agora meias) passarem impunes. A impunidade tem duplo e péssimo efeito. Por um lado cria a situação para que a “cultura do conformismo” se propague com cada vez mais força e, por outro, estimula o cometimento de novos e novos crimes de corrupção e improbidade administrativa.

Uma segunda questão é a necessidade de ampliarmos e melhorarmos, muito, os controles internos e externos. As evidentes evidências (desculpem o pleonasmo) falam por si mesmas da baixa performance, para dizer o mínimo, de nossos sistemas de controle.

O terceiro ponto é a necessidade de integrarmos os órgãos de combate à corrupção. Juntos Receita Federal, Polícia Federal, ministérios públicos e outros podem fazer mais e melhor do que hoje fazem. A interação deve se dar em todos os aspectos cotidianos do trabalho. Desde as operações até o compartilhamento de informações e estratégias.

Parece-me, ainda, claro que devemos investir cada vez mais num trabalho de prevenção. Impedir a corrupção de crescer e prosperar é economizar milhões de reais aos contribuintes brasileiros. Insistir apenas no processo de repressão – que é, evidentemente, necessário – é algo que nos mantêm apenas “enxugando gelo”. A recuperação dos ativos desviados é algo, ainda, muito pequeno em relação aos montantes desviados, até pela dificuldade da legislação internacional.

Tudo isso, no entanto, tem um preço: a mobilização da sociedade. O sistema político, a mim isso é de uma evidência cristalina, por mais que tenha entre seus constituintes pessoas de valor, não tem, como coletivo que é, capacidade para engendrar as mudanças necessárias.

Votar, com essa preocupação, parece um bom caminho, mas não é suficiente. Se a sociedade não sair do seu estado de alienação e de interesses pessoais a solução poderá, claro, vir um dia, mas será mais lenta, penosa e difícil.

Temos que nos mexer, e já.

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Porque não precisamos de mais vereadores agora

O Congresso Nacional aprovou mais um daqueles pacotes de bondades para os políticos. Criaram, à custa do nosso dinheiro, mais 7.709 novos vereadores para o país, mais 153 para o Espírito Santo.

Esse pacote de bondades vai custar alguma coisa em torno de 750 milhões de reais. Se cerca de 51 mil vereadores nos custam cerca de R$ 4.800.000.000,00 (quatro bilhões e oitocentos milhões de reais), 59 mil vereadores nos elevarão esse custo para cerca de R$ 5.550.000.000,00 (cinco bilhões quinhentos e cinquenta milhões de reais). Simples como uma regra de três se a sociedade nada fizer.

Esses 7.709 vereadores não virão sozinhos, virão junto com eles assessores (muitos deles), mesas, cadeiras, computadores, gasolina, carros, papel, telefone e põe mais coisa nisso. Isso tudo representa custo; custo esse pago por cada um de nós com os nossos impostos, taxas e contribuições já tão abundantes nesse país.

A falácia de que vai ocorrer diminuição dos gastos é algo que se esvai em qualquer minuto de atenção sobre a questão. O que os nossos nobres congressistas fizeram, para maquiar a falcatrua, foi reduzir os limites dos repasses de recursos que as prefeituras têm que fazer às câmaras.

Os repasses eram no mínimo 5% e no máximo 8% do total da receita arrecadada pelos municípios, agora esse percentual irá variar de 3,5% a 7%. No entanto, como a quase totalidade das câmaras não chegava perto do limite anterior, ninguém – ou quase ninguém – terá que reduzir custo algum, só aumentar com os novos vereadores – e tudo a mais – para os que estão chegando.

O que precisamos, na verdade, é repensar as câmaras municipais. Para que servem? Devem funcionar todo ano ou algum tempo por ano? Não deveriam, como em todos os países do mundo e como antigamente no Brasil, serem os vereadores voluntários? (lembrando que quem criou essa figura de vereador remunerado foi o presidente-ditador Ernesto Geisel, ao ampliar para todos os municípios do país algo que só acontecia em nossas capitais), não deveríamos definir objetivamente as funções dos vereadores e permitir que se reunissem algumas semanas por ano apenas? Devem as câmaras ter essa enorme estrutura administrativa de apoio? Por que não contar com o apoio administrativo das prefeituras quando de suas temporárias reuniões? Por que não contar com o apoio técnico do Ministério Público ou dos tribunais de contas ou de conselhos regionais (OAB, CRC, CRA, CREA etc) quando de suas reuniões?

A democracia ficará prejudicada dizem alguns. Falso. A democracia não precisa de um poder com poucas e confusas atribuições e que, mesmo assim, praticamente, não as exerce.

Quem faz hoje a fiscalização das prefeituras? Via de regra, não são as câmaras e, sim, o Ministério Público, a imprensa, a sociedade e em alguns lugares (não aqui no ES) os tribunais de contas.

Precisamos recriar as câmaras municipais, dar-lhes algum sentido de existência. Não é porque algo sempre existiu que deve continuar existindo. Mesmo, como no caso das câmaras municipais, tenha sua origem no período colonial brasileiro, lá no longínquo século XVI. Esse parece ser o caso.