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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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Os anacoretas de Ibacapé

Muito antes de Pedro Palácios pousar os olhos naquela majestosa montanha, os tupiniquins já galgavam seu cume buscando se libertarem do cativeiro da solidão. Lá, bem no alto, eles sentiam o inteiro desabrochar da existência em toda sua nudez.

Numa época em que o clarão do dia era comandado pelo Sol e o suave prateado da noite provinha dos raios leitosos da Lua ou do brilho tímido das estrelas, havia lugar para experiências místicas e transcendentais.

Num período em que os ruídos eram oriundos apenas da natureza, derramando sobre a Terra os murmúrios dos riachos e os gemidos dos ventos, todos respeitando sua doce quietude, os êxtases e as visões eram quase triviais.

Aquela colina, onde mais tarde seria erguido o Santuário da Penha era conhecida pelos índios como “Ibacapé”, significando “sentir-se no céu”. Para lá iam eles, com o propósito de contemplar e meditar.

Quantos milagres ali não aconteceram! Quanta esperança ali não foi depositada! Quantas almas ali não foram consoladas! Quanta gratidão ali não foi oferecida! Quanto amor ali não foi gerado! Quantas dúvidas ali não foram eliminadas! Quantos cárceres emocionais ali não foram abertos!

Algum tempo depois, aqui chegou o franciscano Pedro Palácios, homem de fé e vontade, carregando seu firme propósito de disseminar a palavra de Deus.

Para ele, religioso de ação, não bastava apenas contemplação. Conhecedor profundo do Novo Testamento, ele lera que “a estrada que leva a Maria inclui a de Marta.” Maria simboliza a vida contemplativa, Marta simboliza a vida ativa. Pensou: vamos trabalhar para, lá de cima, as coisas do Criador, contemplar!

Nasce o Convento da Penha, esse monumental testemunho daquele visionário.

Aos poucos, os portugueses foram tomando o lugar dos índios, se dirigindo para lá em busca de redenção. Via-se a procissão de ovelhas famintas voltando-se para o céu, agora um pouco menos alto.

Reinando, absoluto, no âmago da pequena Vila Velha, aquela imponente elevação, lugar de devoção inspirada, recebe seus fiéis. Pipocam milagres e graças alcançadas. O quadro de Nossa Senhora desaparece da gruta, indo reaparecer no cume da montanha. Basta um cortejo com o painel da Santa para acabar com a seca que grassa na cidade. A Casa dos Milagres é ampliada para guardar tantas oferendas.

O tempo passou. A Festa da Penha mudou. Continuamos amando a Deus sobre todas as coisas, mas os mecanismos que engendram a fé também se alteraram. O Convento é iluminado com ondas laser. Os centenários sinos agora são elétricos e digitais. A pirotecnia, os cerimoniais, os espetáculos teatrais buscam a persuasão dos fiéis. Cá embaixo, os edifícios apertam a bela mata, tirando o esplendor da colina sagrada. O silêncio da cidade foi substituído pelo barulho dos automóveis. Os problemas do cotidiano foram gerando certa indiferença no povo. As premências da vida, que vai da tediosa rotina à tortura, brutaliza as pessoas.

A mente, anestesiada por valores materiais, tranca o mundo interior do indivíduo, afastando o cérebro do coração. Oramos, vamos à missa ou ao culto, mas de maneira protocolar.

O progresso, a tecnologia, a ciência e o volume de informações, entopem o pensamento, obstruindo a entrada do ser humano com o seu interior.

Gastando grande parte de suas energias para as emergentes questões diárias, o cérebro desaprende entrar em comunhão consigo mesmo. Tentamos desentupir esses ralos com fanatismo, drogas químicas, álcool, comida, dinheiro, status e poder, mesmo sabendo que esses valores são ineficazes.

Jejum, oração, silêncio e meditação foram, durante milênios, as ferramentas para o homem encontrar o Criador; mas... Por onde tem andado Deus?

Lá, bem no alto do Convento ou aqui em baixo, nas festividades do momento? Não! O caminho para “Ibacapé” continua sendo o mesmo: dentro de nós.

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Panacéias contra a dengue

Continuamos assistindo ao avanço inexorável da Dengue. Carros aspergindo nuvens de fumaças que, além de tóxicas, combatem apenas parte dos alados mosquitos, esquecendo o ciclo da doença, não são eficazes. Após picar um indivíduo contaminado, o pernilongo guarda no seu aparelho digestivo o vírus que se reproduz e, alcançando suas glândulas salivares, passam para o vaso sanguíneo do hospedeiro saudável, perpetuando a epidemia. Acontece que, além do mosquito guardar o vírus dentro de si para toda vida, ele também o transfere para seus filhotes, via ovariana. Por essa razão, os ovos que permanecem latentes durante o ano, geram mosquitos contaminados. Assim sendo, deve-se combater também os depósitos de água, ninhos das larvas.

É muito comum as pessoas confundirem Dengue Hemorrágica com Dengue Clássica, devido aos sangramentos causados, em ambos os casos, pela baixa de plaquetas. Quando um indivíduo contrai Dengue, seu sistema imunológico pode reagir, matando o vírus e recuperando a saúde ou, paradoxalmente, através dos anticorpos, aumentarem a virulência da doença, provocando falência hemodinâmica e evoluindo para Dengue Hemorrágica.

Um aspecto dramático que exemplifica essa reação é quando o indivíduo contrai Dengue pela segunda vez. Como ele já dispõe de anticorpos produzidos para combater o primeiro caso da doença, pensamos que eles seriam úteis no segundo caso; o que lamentavelmente não ocorre. Ao invés de combater a infecção, esses anticorpos, aliados a produção de outros, amplificam o quadro clínico da doença.

Frente a esses paradoxos, nossos governantes não percebem serem necessárias medidas duras no combate a tão perniciosa patologia. Emílio Ribas em 1903 e Osvaldo Cruz em 1904, utilizando verba da fundação Rockfeller, conseguiram erradicar o mosquito da Febre Amarela, o mesmo que gera a Dengue, durante 58 anos.

Uma atitude simples e eficaz procedida naquela época era isolar o indivíduo contaminado, até que sua carga viral declinasse.

Por que ainda não existem remédios eficazes contra a Dengue?

Ao contrário de certas patologias virais que respondem razoavelmente aos antivirais, a Dengue apresenta uma curiosa resposta imune: Anticorpos produzidos por um quadro anterior de Dengue podem não neutralizar um segundo diferente vírus infectante e, muitas vezes, paradoxalmente, piorar o quadro infeccioso. Como existem quatro tipos de vírus, esse risco aumenta muito e dilui o poder terapêutico dos antivirais. Uma comparação pode ser feita com a gripe, cujo tratamento é também paliativo, embora exista vacina. Todavia, neste caso, todos os anos surgem cepas de vírus diferentes, necessitando que o indivíduo faça uso de nova vacina.

Recentemente foi lançado um medicamento contra Dengue, sintetizado por um laboratório italiano denominado “Mosquitan”. Esse produto serve apenas como repelente do pernilongo, agindo por um período de oito horas. Seu princípio ativo é a conhecida “citronela”, capim que exala um perfume penetrante, liberando, quando queimado, uma fumaça irritante para o mosquito. Apesar de isento de efeitos alérgicos, essa suposta novidade apresenta as mesmas propriedades dos repelentes tradicionais, cortinados, espirais e pomadas a base de piretróides.

Por que ainda não existe uma vacina contra a Dengue?

Apesar do empenho de alguns laboratórios; como o único hospedeiro do vírus é o ser humano, não se tem conseguido índices elevados do vírus nas cobaias, dificultando os ensaios.

Também existe o temor dos anticorpos da vacina aumentar a virulência da patologia, ao invés de atenuá-la. Tal situação vem sendo verificada nas pessoas que foram vacinadas contra Febre Amarela e contraíram Dengue. Os anticorpos daquela vacina aumentaram os sintomas da Dengue.

Enquanto cada cidadão não assumir seu papel no combate a essa traiçoeira doença, será “o fim da picada”, não querendo dizer com isso que o mosquito, suas larvas e seus vírus irão nos deixar!