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Terreno de marinha: saiba o que diz a lei

Segundo dispõe o Decreto Lei n.º 9.760, de 5/9/1946, os terrenos de marinha são as áreas situadas na costa marítima, as que contornam as ilhas, as margens dos rios e das lagoas, em faixa de 33 metros medidos a partir da posição do preamar (maré cheia) médio de 1831, desde que nas águas adjacentes se faça sentir a influência de marés com oscilação mínima de cinco centímetros.
Historicamente, a instituição de terrenos de marinha como bem da União, sujeito a regime patrimonial específico, remonta à necessidade dessas áreas para a defesa e segurança do território nacional, muito embora o interesse patrimonial e arrecadatório tenham sobrepujado àquele que inicialmente a justificou, mesmo porque a faixa de 33 metros é simplória e, até mesmo, irrisória, para servir à defesa nacional.
De fato, ao que parece, não existe interesse público que justifique a existência e manutenção desse instituto que, inclusive, não encontra comparativo na doutrina estrangeira (não há notícia de regime patrimonial semelhante que tenha sido adotado por outros países, muito embora seja comum em sua maioria haver legislação específica para dar tratamento diferenciado às terras adjacente às águas, em razão de inegável interesse público nesse particular). Ocorre que, a Constituição Federal dispõe no artigo 20, inciso VII, que são bens da União os terrenos de marinha e seus acrescidos, recepcionando, em termos, o Decreto-Lei nº. 9.760/46.
A Constituição prevê, ainda, no o artigo 49, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que sobre tais terrenos fica mantido o instituto da enfiteuse (pela enfiteuse, o direito de propriedade é dividido em domínio útil e domínio direto. O domínio útil permite a seu titular o uso do imóvel como se proprietário fosse; restando ao titular apenas o direito ao recebimento do foro anual, laudêmios e preferência em eventual alienação do domínio útil), regime patrimonial remanescente no Código de 1916, hoje já abolido pelo Código Civil vigente, permanecendo o referido instituto isoladamente para os bens da União.
Há décadas diversos projetos de lei e emendas constitucionais tramitam no Congresso propondo modificação no regime patrimonial das marinhas, redução da faixa de 33 metros, mudança do ano de referência da preamar média (1831), concessões de isenções sociais a pescadores artesanais e outros grupos, transferência do domínio pleno para Municípios, ora em caráter geral, ora em caráter específico, e limitação de reajuste para os encargos incidentes sobre o domínio útil. Centenas dessas propostas foram rejeitadas, outras tramitam no Congresso Nacional, dentre elas propostas de autoria do ex-governador, Paulo Hartung e do senador Ricardo Ferraço.
Outros políticos capixabas também são autores de propostas relacionas à matéria: Gerson Camata, Ricardo Santos, João Coser, Jorge Anders, Helvécio Castelo. Myrthes Bevilacqua, dentre outros. Atualmente, dentre as propostas mais impactantes sobre o regime patrimonial dos terrenos de marinha são as emendas constitucionais que propõem, em resumo, revogar os dispositivos constitucionais que obrigam a aplicação do regime de enfiteuse para os terrenos de marinha situados na faixa de segurança da orla e destinar os terrenos de marinha aos Municípios da respectiva situação.
Os imóveis aforados a particulares seriam alienados aos respectivos foreiros, pelos Municípios, mediante forma a ser definida. Há, ainda, Projetos de Lei que propõem a atualização do conceito de terrenos de marinha, alterando a extensão da linha preamar e atualizando o ano de sua incidência. Outras proposições procuram tornar válidos os registros de escrituras de domínio pleno sobre acrescidos outorgadas por Municípios antes de 15/02/1997, data da Medida Provisória convertida na Lei n.º 9636 de 1998, ou que se refiram a imóvel cuja cadeia dominial tenha início antes do Decreto-Lei 9.760/46.
De qualquer sorte, para que a área definida como de marinha possa ser considerada e, portanto, cadastrada como bem da União, necessariamente, há de ser previamente demarcada a linha preamar médio do ano de 1831, para posterior discriminação áreas patrimoniais da União. Eis aqui outra grande polêmica, senão maior do que a justificativa para a própria existência das marinhas. A demarcação e discriminação, cuja competência foi atribuída à SPU, constituem um procedimento técnico de enorme complexidade.
Poder-seia dizer, inclusive, quase impossível, ante a ausência de elementos técnicos. O próprio texto legal antevê as dificuldades na execução na medida em que admite aproximações razoáveis em sua fixação, bem como a participação dos interessados. Tanto é que os trabalhos ainda não foram concluídos em todo o país. O Espírito Santo foi um dos poucos em que houve a demarcação do preamar, ainda que parcialmente, mediante utilização de instrumentos técnicos cientificamente contestáveis.
O cadastro realizado, por sua vez, foi realizado com base na inscrição imobiliária municipal, sem qualquer conferência, seja física ou registral, quanto ao efetivo proprietário ou ocupante. Cadastrados como imóveis da União, foram lançadas – no ES a partir de 1994 - cobranças de taxas de ocupação que, quando não pagas, foram inscritas na dívida ativa da União no nome e CPF de quem o imóvel encontrava-se inscrito, fazendo constar, também, do CADIN. Assim, tais dívidas podem ser executadas judicialmente. Diante disso, inúmeros são os exemplos práticos de conflitos vivenciados por cidadãos que, de boa fé, sempre tiveram como próprios, alguns, inclusive, com registro junto ao Cartório de Registro, os imóveis cadastrados como bem da União.
Hoje, desses cidadãos são cobradas taxas pela ocupação de seus próprios imóveis, como se estivessem alugando imóveis da União. E, ainda, são tributados pela Municipalidade para pagamento do IPTU, porque são considerados por ela proprietários desses mesmos imóveis. Não bastasse, no caso de venda do imóvel, é devido o laudêmio, que é calculado não só sobre a terra nua, mas, também, sobre as benfeitorias, sem que a União tenha contribuído para a realização das mesmas. Há quem esteja sendo executado por débitos referentes a imóveis que já venderam.
Essas pessoas, se comunicarem a SPU a venda do imóvel, além do débito referente à taxa de ocupação, terá debitado, também, em seu nome e CPF o laudêmio (obrigação em dinheiro, correspondentes a 5% do valor do bem, devida ao proprietário pleno, quando da transferência onerosa do domínio útil ou a cessão de direitos a eles relativos). Basicamente, podem ser identificadas duas situações: 1) o imóvel cadastrado como bem da União encontra-se devidamente registrado junto ao competente Cartório de Registro Geral de Imóveis, caso em que o proprietário deverá buscar a defesa de seus direitos; 2) o imóvel cadastrado não possui registro, caso em que aquele em cujo nome foi cadastrado deverá procurar regularizar sua situação junto ao SPU, passando a pagar o foro de 0,6% ao ano ao invés da taxa de ocupação de 2% ou 5% ao ano, dependendo da situação. Isso sem considerar o traçado do preamar que, seja em um ou outro caso, poderá o imóvel encontrar-se ou não dentro dos limites estabelecidos para as marinhas.
Na hipótese de haver registro imobiliário, já que a União o considera inválido, deveria ao menos, em respeito à Lei de Registros Público e aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da ampla defesa e do contraditório, primeiro anulálo judicialmente para somente depois cadastrar o terreno como de marinha e lançar qualquer cobrança. Infelizmente, não é essa a realidade que presenciamos.

Luciana M. A. Júdice Dessaune Advogada, Procuradora do Estado, Mestre em Direito pela PUC-SP

Comentários   

 
0 #1 jader@caplan.com.br 17-03-2014 22:44
A dívida quando passa do SPU para dívida ativada união fica vinculada ao terrenmo de marinha e ao CPF do ocupante cadastrado ou somenteao CPF?
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