Manual do Assaltado
Neste exato momento em que estou roubando sua atenção, meu caro leitor, alguém está afanando a carteira de dinheiro, o celular, ou até mesmo a vida, de algum cidadão, nos rincões deste vasto país.
Enquanto isso, um factótum policial corre para frente da televisão, estufa o peito, e deita falação sobre como evitar assaltos: Não saia de casa! Não fique em casa! Se sair, não saia jamais acompanhado. Nem sozinho! Se sair sozinho ou acompanhado, não saia a pé. Nem de carro! Se sair a pé, não ande devagar. Nem corra. Nem pare! Se sair de carro, não pare nas esquinas. Nem no meio da rua. Nem nas calçadas. Nem nos semáforos! Melhor é deixar o carro em casa e pegar um ônibus! Se pegar um ônibus, compre um extintor de incêndio! Se decidir ficar em casa, não fique sozinho. Nem acompanhado! Se ficar sozinho ou acompanhado, não deixe a porta aberta. Nem fechada! Pelo amor de Deus, não atenda ao telefone! Não fale seu nome! Não diga o número do seu celular! Não demore mais do que um segundo para desligar! Como não adianta ficar em casa, o único jeito é viajar! Caso seja de avião, esqueça! Depois de quatro dias no aeroporto, furtarão sua paciência, enquanto você dorme no saguão!
As precauções que devemos tomar para evitar um assalto são tão importantes quanto tentar compreender nosso comportamento, caso ele aconteça.
O instinto de sobrevivência é a mais vital ferramenta encontrada no ser humano. Quando colocado diante uma tribulação, ele rapidamente terá que decidir por uma, das duas reações: Lutar ou fugir!
Na iminência de algo que coloque em risco a integridade física do indivíduo, suas glândulas supra-renais secretam adrenalina que, via sanguínea, partem imediatamente para ao pâncreas. Lá chegando, estimulam a produção de uma grande quantidade de insulina, que corre em direção as células, gerando energia produzida pela queima da glicose. Essa energia é utilizada para lutar ou fugir!
Enquanto o corpo se vira como pode para escapar da adversidade, a mente reage racionalmente, tentando decifrar a estrutura do irracional.
Quem já sofreu o trauma de um assalto, esqueceu a angústia vivida naquele momento, mas o medo continua dentro dele, envolvido pelos seus mecanismos sensoriais. É da ansiedade que nasce o medo, esse eterno companheiro do ser humano. Ele conhece a ameaça, e instala no indivíduo uma antena protetora que sintoniza as freqüências do perigo.
Diante do cano de uma arma apontada para o corpo, o cérebro manda a voz calar. O drama é negado pelo silêncio. O ato violento que aterroriza o corpo não é rapidamente compreendido pela alma. O corpo solta seu peso sobre as pernas, que procuram o solo para ajoelhar. O coração tenta auxiliar, inchando como um balão de gás, para o sangue bombear. O pescoço lateja. O suor quente logo se torna pegajoso e frio. A palidez é conseqüência do roubo do sangue periférico para os músculos que tremem e fazem os apavorados dentes baterem. As horas imitam o coração, batendo, descompassadas, o ritmo da tensão. A lucidez é enganada pela aflição que clama por uma solução. O realismo não faz sentido quando a realidade é tão cruel. Surge uma verdadeira imunização mental. A sobrecarga do sofrimento produz uma pausa na percepção.
Muitos assaltados tentam envolver o assaltante emocionalmente, buscando trocar a agressão pela compaixão. O gatuno não é capaz de assimilar essa visão horripilante. A vítima tenta se proteger, com sua blindagem sensorial, do choque e do pavor que penetram no seu fragilizado âmago.
Acalentadas ilusões são turbinadas pelo seu instinto de sobrevivência. Seu cérebro costuma perder a fé, que se volatiliza com o passar do tempo. Todavia, seu coração insiste na função de embalar a esperança, esse elixir da vida!
O desfecho poderá ser menos difícil, caso Deus esteja morando dentro dele!