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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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Anuptafobia

Semana passada eu tive o prazer de encontrar com a minha bela paciente Camila. Logo que me viu se aproximou, abraçando-me com elevada dose de alegria. Passados alguns minutos, descobri que aquelas duas lindas crianças ao seu lado, eram suas filhas.

Ninguém diria que essa deslumbrante princesa houvesse sofrido, há alguns anos atrás, a perda de um relacionamento e morrido de medo de se imaginar ficando solteira.

Quando ela apareceu no meu consultório, reclamando de fraqueza e dor abdominal, logo constatei que sua gastrite tinha profunda relação com a emoção. Eu não sou psicólogo, entretanto para minorar sua brutal dor no estômago, tive que entrar nos meandros dos fatores precipitantes do seu sofrimento.

Asfixiada por um relacionamento tóxico, seu confuso coração havia se embebedado com grandes doses de ilusão. Vendo-a chorando copiosamente, tentei brincar, afirmando: Calma! Quanto mais cedo você se livra do cara errado, mais cedo estará na direção da próxima perda!

Percebendo que apenas eu havia achado a piada engraçada, tentei lembrá-la do famoso aforismo de Sêneca: “Nunca guardes aquilo que vais desejar não ter”.

Existem situações numa relação em que, apenas quem está de fora percebe o ridículo que o coração apronta para os amantes. Aquele que está no comando da relação, diz: Pule! O outro pergunta: Que altura?

Durante várias consultas, no desenrolar das semanas, Camila passou-me informações, tão engraçadas, quanto dramáticas. Assim que ela terminou seu relacionamento, como todo ser humano carente, conheceu e se envolveu com um menino de 18 anos, sarado, bronzeado, sedutor, mas contendo apenas “pó de serra” na cabeça. É bom lembrar que Camila tinha 28 anos, nessa época.

Tentando preencher o vazio e convencer seu coração de que tudo estava bem, ela exclamava frente ao seu novo amor: Puxa! Como você é profundo, inteligente, maduro, vivido, sábio e compreensivo. Ele respondia: Podes crer!

Um dia, ele disse pra ela: Eu preciso te falar algo importante! Com o coração aos pinotes, ela imaginou: Ai, meu Deus, será que ele vai dizer que me ama? Que quer casar comigo? Que vamos ter muitos filhos?

Passando os dedos sobre os cabelos dourados do braço, ele comentou: Clareei os

pelinhos! Ficou maneiro! Descobrindo que esse indivíduo estava naquela fase em que nós nos relacionamos mais com as coisas, do que com as pessoas, Camila, voltou para casa e antes de entrar no seu quarto para hibernar, leu na porta: Bem vinda ao inferno!

Depois de algumas semanas “do cão”, seu estômago começou doer e ela me procurou. No meio de tanta introspecção, surgiram ataques de raiva e ressentimento. Vagava entre o conflito de ter sido legal ou má, com o antigo desafeto. Acho que sou culpada ou será que estou sendo patética? Meu Deus; estou criando o hábito de me lamuriar dele, com todo mundo. Daqui a pouco, meus amigos vão criar o hábito de me evitar como uma praga!

Em dados momentos, ela também experimentava uma fugaz sensação de liberdade: Oba! Nunca mais vou precisar fingir que gosto da mãe dele! Entretanto, desfrutava dessa sensação apenas quatro minutos, depois caia em prantos.

O próximo mecanismo de defesa, arquitetado pelo seu ferido ego, foi desmerecer a causa de seu sofrimento. Como pude gostar, afirmava como desculpa, de um cara que se senta na privada e fica lendo o jornal de domingo, de cabo a rabo?! Como pude não perceber que ele vivia dizendo que eu lembrava a Rhiannon, e eu adorava.  Mais tarde vim, a saber, que Rhiannon era o nome de uma bruxa que havia jantado seus dois filhos.

Também lembrava quando entrei de férias, ele ligou e eu perguntei se estava sentindo minha falta e ele respondeu: Sim, estou sentindo falta de brigar com você.  Ai, João, como tudo isso durou! Mas que bom que passou. Assim que esse vendaval emocional diminuiu, eu conheci uma pessoa, com a qual estou vivendo, e bem.

Entretanto, essa mudança não foi assim tão fácil. Na primeira viagem com ele, eu levei duas malas. Ele perguntou: Querida, você está levando muita bagagem?! Eu respondi: A mala maior carrega meu passado.

Eu ainda me sentia mais personagem do que pessoa. Durante algum tempo, meu novo relacionamento foi um remédio cheio de efeitos colaterais: saudade, vazio e mágoa, embora já apresentando alguma eficácia. Naquela época eu pensava que sua maior indicação seria para o tratamento da Anuptafobia, esse cruel medo de ficar solteira; agora percebo que ele foi um excelente digestivo. Algumas vezes o estômago deixa para o cérebro a tarefa de digerir a vida.

Antes que mamãe Camila se despedisse, eu lembrei que todos os nossos sonhos, todas as nossas paixões, todos os nossos amores, servem para amadurecer nosso coração, embora o nosso primeiro e último amor, acabe sempre voltando: Amor Próprio.

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