Há males que vem pra bem
Até Santo Agostinho, quem diria, racionalizou a presença do mal, ao afirmar que a vida nem sempre se resume na inequívoca opção pelo que é absolutamente certo ou errado. Frequentemente, diz ele, a escolha recai sobre o menor de dois males!
Tudo leva crer, então, que o remédio amargo para o mal se encontra dentro dele próprio. A luz necessita do escuro para brilhar! Todo remédio é veneno, e todo veneno é remédio!
Para que o dia fosse louvado, Deus criou a noite! Tentando adicionar joio na hóstia, Judas dissolveu Jesus no Espírito do Pai!
Muitos seres humanos cultivam na lama do mal as sementes do bem. Por outro lado, a flor que nasce no pântano, e que no lodo do pântano viceja, pode ser que seja muito boa, mas pode ser que também não seja. Deve-se ter muita cautela ao se tentar retirar o mal de um indivíduo, pois ele pode representar aquela viga que sustenta todas as estacas do bem, e que mantém de pé sua estrutura moral! Se nossos demônios resolverem nos deixar, correremos o risco de ver nossos anjos, perdendo sua serventia, nos abandonar também!
Caminhando de uma cidade em direção a outra, um padre resolveu cortar caminho, atravessando um cemitério. Em dado momento, ouviu um gemido macabro que saia de uma sepultura aberta. Aproximando-se, pousou seus espantados olhos sobre um estranho indivíduo, com um ferimento no peito, sangrando abundantemente.
Perguntou o pároco: Quem é você?
A sombria e esquisita criatura, descerrando as pálpebras, suplicou que fosse salvo.
Talvez você seja um ladrão que tenha feito mal a alguém, e depois se escondido aí dentro?!
Não! Não! Nada disso! Eu estava voando, quando fui surpreendido por um Anjo Serafim e acabei lutando com ele. Eu já estava quase ganhando a peleja, mas ele foi mais ágil, me ferindo com sua espada, e tive que me ocultar nesta cova, para não morrer!
Afasta-te Satanás! Maldito tu sejas! Morras em nome de Deus!
Calma! Calma! O Senhor deve ter misericórdia de mim! Quantas vezes o senhor diz meu nome, durante sua celebração? Acho mesmo que o senhor fala mais sobre mim, do que no seu Deus! Talvez o senhor também não perceba que a maioria dos fiéis que freqüenta seu templo; ali está mais pelo temor que possui de mim, do que pelo amor que dedica ao seu Deus! Se o senhor não me salvar, certamente sua igreja irá esvaziar, as ofertas irão declinar, os dízimos irão minguar; afinal, onde não existe o mal; de que serve o bem?!
Sem mais delonga, o pregador colocou o diabo nas costas e partiu rapidamente em direção ao hospital mais próximo, em busca de socorro!
Falar sobre a presença do mal na vida humana é mostrar o mais que desejável dever de lidar com uma realidade mais do que indesejável. Concordar que nossa natureza oscila entre o bem e o mal não quer dizer que o mal deva ser ignorado; pois a melhor maneira de combater um inimigo é conhecê-lo. A luz que insiste em brilhar muito, se torna sombra da próxima luz. Até mesmo a claridade respeita as trevas; basta observar como a chama treme de medo da escuridão, quando percebe a vela se extinguindo!
O maior perigo do mal reside na capacidade que ele possui de aliciar e acomodar seu hospedeiro. De tanto conviver com ele; muitos já não percebem seus sintomas: violência, egoísmo, arrogância, vaidade, sadismo, pouco Deus e muito fanatismo! Aceitando o anormal como norma, o indivíduo banaliza o mal, atrofiando seus valores éticos e morais.
O primeiro contato com o mal provoca no ser humano um choque traumático, carregado de intensa aversão, angústia, e terror. Com sua repetição e a exposição crônica aos seus efeitos, a reação é de retração, indiferença, e torpor.
Durante a Segunda Guerra Mundial, confrontado com o mal, o povo alemão caiu numa apatia geral; mostrando mais uma tendência de ignorar, do que derrubar o flagelo nazista!