Balbúrdia sobre rodas
São dezoito horas. Chove copiosamente na Grande Vitória. O Sol, temeroso de pegar um resfriado, busca refúgio dentro das negras nuvens que ornamentam o céu e transformam o lusco-fusco do entardecer em noite retinta. Ventanias rasgam os panos dos guarda-chuvas e entortam suas barbatanas. Transeuntes encharcados agradecem á Deus terem conseguido embarcar no coletivo lotado e se acotovelar no abafado corredor. Embora chova, o calor sufocante se faz notar pela presença das janelas embaciadas e necessàriamente fechadas para evitar a entrada da chuva que surfa no vento. Um cambaleante bêbado, encorajado pela sua carraspana, começa a gritar: “Atenção pessoal! Daqui, pra frente, todo mundo é bicha; e daqui, pra trás, todo mundo é corno!” Um passageiro, aflito, retruca: “Eu não sou bicha!” O bêbado responde: “Então passa pra trás!” Visivelmente exasperado, o motorista tenta vencer o monstruoso engarrafamento que serpenteia na avenida, enquanto desvia das perigosas crateras que se abrem no asfalto. Lá, bem na frente, pode-se observar o colapso do trânsito, com todos os veículos parados, tanto na descida como na subida, sobre as pistas da Terceira Ponte. Como se não bastasse, entra um engraxate esbarrando em todo mundo com aquela caixa lambuzada de graxa e cantando: “Se meu pai fosse um boi e minha mãe, uma vaca, eu seria um bezerrinho!” “Se meu pai fosse um cabrito e minha mãe, uma cabra, eu seria um cabritinho!” Irritado, o trocador do ônibus pergunta: “Ah! Garoto! Se o seu pai fosse um corno e a sua mãe, uma prostituta, você seria o quê?” Ele respondeu: “Aí, eu seria trocador de ônibus!” Enquanto isso, duas freiras, observando o semblante triste de uma velhinha que estava sentada ao lado, puxam conversa e perguntam: “Como vai à senhora?” “Eu vou bem!” “Quem são vocês?” “Somos irmãs de Cristo!” Diz a velhinha: “Nossa, como estão conservadas!” O tempo vai passando. Os passageiros empurram de lá, apertam de cá, buscando encontrar um pouco de conforto. Logo, logo, os odores começam flutuar. Tosses, espirros, fungadas, narizes franzidos, traduzem a insalubridade do ar viciado. Guarda-chuvas molhados e pendurados drenam abundantes gotas, buscando caminho através das costas dos passageiros sentados. Um garotinho de olhar aflito, sentado no banco da frente, vira-se á todo instante para trás, tentando desesperadamente encontrar sua mãe. Em dado momento, seus olhos pousam em sua genitora, sentada no final do corredor, e ele grita: “Mãe! Eu quero fazer cocô!”