Droga é a vovozinha
Estava eu caminhando no calçadão da Praia da Costa, quando notei um pequeno embrulho caído no chão. Atiçado pela curiosidade, agachei para pega-lo e retirei o papel que o envolvia. Um tanto decepcionado, logo verifiquei ser uma caixa de fósforos contendo apenas cinzas de cigarros dentro dela. Quando me preparei para jogá-lo fora, um aflito cidadão se aproximou e gritou: Pare! Pare! Pelo amor de Deus, não faça isso!
Calma! Calma! Aqui está o seu embrulho! Eu achei que não servisse pra nada, por esse motivo ia depositá-lo no lixo! Imediatamente devolvi aquele simplório objeto, enquanto o transeunte, bastante agradecido, sorria meio melancólico e puxava assunto. Além da prazerosa e salutar atividade física, o democrático calçadão também serve para trocar idéias e fazer novas amizades. Quando dei por mim, já estava ouvindo os desabafos daquele desconhecido caminhante. Contava ele, que sua avó havia falecido recentemente e, como último desejo, queria ser cremada. Também não esquecera que ela havia pedido para que suas cinzas fossem espalhadas no canteiro localizado no jardim da casa, onde durante tanto tempo cultivara rosas e dálias.
Após o ritual da cremação, foi entregue ao tristonho neto, uma urna contendo as cinzas da avó. A soma do estresse produzido pela doença, com a dolorosa cerimônia da incineração, resultou naquele indivíduo um profundo cansaço, tanto físico quanto emocional.
De volta para casa, ele sentou-se durante alguns minutos no banco de uma praça, mantendo-se pensativo e cabisbaixo por um longo tempo. Enquanto seus pensamentos trabalhavam, sua vigilância descansava, tanto que ele não percebeu quando dois andarilhos pegaram o embrulho que jazia no seu regaço e fugiram, sem serem percebidos. Alguns minutos passaram até que ele saísse daquele estado de torpor e entrasse numa angustiada busca para resgatar o que restou da sua avó. Peregrinou, durante horas, por todas as delegacias da cidade; registrou o ocorrido nos jornais, perguntou sobre o paradeiro do embrulho para todos que encontrava, em cada esquina, em cada rua, em cada beco.
Tudo em vão. Dias depois, para seu alívio, recebeu um telefonema do distrito policial solicitando sua presença, e para lá se dirigiu. Antes mesmo de ser informado pelo delegado sobre a existência da urna que repousava na mesa em frente, ouviu uma dura queixa dos meliantes que a haviam furtado, sendo presos posteriormente. Eles reclamavam da qualidade inferior da droga roubada. Nesse exato momento, o neto percebeu que eles haviam fumado sua avó, pensando que suas cinzas fosse maconha. Só não fumaram tudo, porque acharam a velha uma droga. Enquanto ouvia toda aquela arenga, o policial fumava um cigarro após o outro e, de forma displicente, deitava suas cinzas na urna em questão.
Tentando consolar o perplexo dono das cinzas, o homem da lei colocou o pouco que dela restava numa caixa de fósforos e entregou ao enlutado, perguntando se poderia ficar com a urna para guardar geléia! Enquanto os larápios voltavam para as grades, aquele pobre cidadão abandonava o local e se dirigia para o calçadão, na tentativa de esfriar a cabeça. Quando alcançou a porta da delegacia, virou-se para trás e viu o delegado espanar e soprar a urna, engasgando e tossindo com aquele pó de gente. Horas depois, ele mastigaria sua avó, lambuzando no pão a geléia sabor memória! Dias depois, aquele desafortunado neto ainda teve a desventura de encontrar os dois larápios das cinzas de sua avó, solertes e soltos, errando pelas ruas.
Não se espante com essa informação, uma vez que lugar de bandido é livre, ao contrário do cidadão que vive preso atrás das grades que instala nas janelas e portas de sua residência! Tendo reconhecido a vítima, os ladrões se aproximaram e novamente reclamaram; desta vez não da qualidade da maconha, mas da vida de bandido. Um deles, quase chorando, lamentava: Pois é, doutor! Vida de ladrão não está nada fácil! A concorrência anda braba. Do policial ao juiz; do eleitor ao político; do fiel ao pregador; do patrão ao empregado; do comprador ao vendedor; do estudante ao professor; etc. e etc. Entre eles campeia feliz a desonestidade. O caminho por onde trilham o bem e o mal, virou rua de mão única. Se a coisa continuar desse jeito, teremos que enveredar para o sofrido mundo dos honestos onde padeceremos; assaltados pelo medo e sufocados pela impunidade!