Ludwig van Beethoven
Eu respiro música, a mais sublime de todas as artes. A vida é musical. Quem não se sente enlevado através dela é porque fechou as portas da alma. Entretanto, quando falo de música, estou me referindo aquela que serve de bálsamo ao sofrimento e que enche de deleite a alegria, aquela que consola as perdas e alimenta as conquistas. Quando falo de música, estou me referindo aquela que evoca um sentimento, não a que traduz simplesmente uma impressão. A verdadeira música não precisa de letra, pois os sons que a compõe contêm um significado para cada ser humano. Também não pode ser música aquele ruído áspero que agride a zona de conforto da percepção.
Mais fácil do que falar dela é repousar nossos ouvidos sob seus sons. Eles nos alimentarão. Quem, por excelência, pode representar essa música, senão o raro gênio, o grande artista, o músico ímpar: Ludwig van Beethoven!
Aos doze anos de idade, estudante de piano, esse gênio já me incomodava. Aquele busto em cima do piano, com seu olhar de urso aborrecido, aguçavam minha curiosidade.
Meu pai, músico, dizia que a música, indiferente a vaidade dos homens, subiu pela tosca escada de uma velha casa numa cidade da Alemanha e, alcançando aquele miserável sótão, impregnou sua arte na alma daquela criança que acabara de nascer e que, mais tarde, seria um demiurgo que impressionaria o mundo.
Filho de uma empregada doméstica e um tenor desocupado e alcoólatra, Beethoven estava predestinado a ser um feiticeiro aniquilado pelos demônios que a música evocava. Teve uma infância sofrida, maltratada pelo pai que o surrava para aprender aquilo que seria seu bálsamo, sua luz, seu guia: a música! Dizia ele: “É um pobre homem, aquele que não sabe morrer! Quando eu tinha quinze anos, eu já o sabia.”
Aos dezessete anos, era o chefe da família, cuidando dos irmãos, envergonhado do pai, bêbedo e incapaz de dirigir o lar. Agarra-se então a música por compreender a missão dela ao penetrar no seu espírito. Aquele que puder sentir minha música, profetizou, ver-se-á livre dos sofrimentos e misérias que pungem os outros mortais!
Aos vinte e seis anos, a dor continua batendo em sua porta. A música, desejando ele somente para si, alegra-se ao vê-lo perdendo a audição. Resignação! Que triste refúgio! Não obstante, é o que me resta! Vemos aqui Beethoven pegando ele próprio no colo.
Sem cessar, apaixona-se por dezenas de mulheres. Nada parece funcionar. A música oferece, através dele, as mais arrebatadoras fantasias, mas o torna vítima dessas paixões. O amor, essa fonte fecunda de suas inspirações, abranda-se, mas a música continua a seduzi-lo. Ele paga o preço duramente. “Ó Providência, concede-me um dia, um só dia de pura alegria!” Não! Não! Preciso segurar o destino pela goela! Tudo são luz, dureza e brilho.
Algumas de suas melodias são como uma flor pura, guardando o perfume dos dias, como sua Sinfonia Pastoral; outras batem seus acordes de forma marcial, como sua famosa Sinfonia Heróica, ainda outras, continuam correndo atrás do amor impossível, da amada imortal, como sua Sonata ao Luar.
Enquanto isso, o divino frenesi do espírito vai enfraquecendo seu pobre corpo, tornando-o a dor feita homem, a quem o mundo, cada vez mais, nega a alegria. Não importa, ele cria a alegria para dá-la ao mundo! A alegria pelo sofrimento!
“Ah! Divina música! Vem quando quiseres, irei corajosamente à tua frente. Não me esqueçais na morte; mereço que pensais em mim, porque eu vivi constantemente em vós, durante toda minha vida, para te semear pelo mundo, para te fazer eterna!”
Esse patriarca do romantismo desabafava para as pessoas: “O que eu ouço com os olhos, vós enxergais com os ouvidos!” Eu sou surdo! Encho-me de paciência e penso: todo mal trás consigo certo bem...
A música, que tanto necessitava dele, foi egoísta ao vê-lo surdo. No entanto, seu desgosto profundo acabou se alimentando dessa arte. “Calaram-se para ele os sons da terra a fim de que, no meio do silêncio, pudesse captar as harmonias do céu.”
Vinte e seis de março de 1827, Beethoven, o compositor filósofo, morre aos cinqüenta e seis anos. Depois de padecer quarenta e oito horas, observando os médicos decidirem o que fazer, ele senta-se no leito e geme: “Plaudite amici, finita est comoedia.” Aplaudam amigos, a comédia acabou! De nada serve tudo isso. Foi-se tudo: a medicina com seu latim e a vida!
Talvez aqueles filhos de Esculápio não percebessem, mas, antes de morrer, Beethoven já não mais existia; ele havia se diluído em suas melodias. Encontrá-lo, a partir daí, seria possível apenas no império do espírito, que é o mais sagrado e o mais querido de todos os reinos temporais, esse recanto onde mora a música, essencial ponte que une coração e mente!
Comentários
Por acaso tu saberias me informar a referência desta citação de Beethoven?
"O que eu ouço com os olhos, vós enxergais com os ouvidos."
Obrigado
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