Não atrapalhe a dor do luto
Quando o neto favorito de Sigmund Freud faleceu aos cinco anos de idade, o discípulo Carl Gustav Jung, na tentativa de consolar seu mestre, disse: O senhor, que conhece os mistérios do inconsciente como ninguém, vai superar essa dor.
Freud respondeu: Diga o que quiseres. Palavras serão sempre bem vindas, mas desde que a tampa desceu sobre aquele caixão, esse é o único som que o meu coração ouve.
Eu tenho observado, durante o enterro de certas pessoas, os mais variados mecanismos usados para mascarar a tão necessária dor causada pela morte. Uns não vão ao funeral, outros se escondem nos tranqüilizantes, enquanto outros ainda inventam rituais sofisticados, como se quisessem convencer a morte de que o falecido é tão importante que deveria ser devolvido à vida. Se, para nós, alguns entes queridos são divindades durante a vida, para a morte não existe canonização; todos são iguais.
Há um paradoxo interessante na morte; se, por um lado, ela destrói a vida, por outro, ela a enriquece. A morte é o retorno de si mesma para antes da vida, onde ela já existia.
Por mais que filosofia, ciência e religião tentem explicar a morte, tudo não passa de mera especulação. Quem está vivo não sabe como é a morte e quem está morto não sabe que está morto. Embora a morte nos cause compaixão pela dor de quem está morrendo e o seu desespero pela perda da vida; depois que a morte chega, o sofrimento permanece apenas em quem fica. Nesse momento começa o trabalho de luto. Muitos não têm a necessária lucidez para compreender a importância dessa dor. É bom dizer que nós sofremos por quem amamos; logo, essa dor é um merecido tributo que oferecemos ao morto. Ela é a ponte de ligação entre a vida e a morte, ou seja, é através dela que nós vivenciamos os bons momentos, lembramos à importância daquele que se foi e, principalmente, não deixamos nossa memória apagar, necessitando dela para manter vivo quem morreu. É durante o luto que atravessamos o rio da dor para encontrar a fonte que o gerou. Bebendo a dor, matamos a sede que ela nos provoca. No luto, a dor serve para fortalecer os laços de quem ficou com aquele que se foi, até que o tempo, já não necessitando mais do sofrimento, nos ofereça o consolo do esquecimento.
Causa-me espanto quando vejo a religião roubar a cena durante um sepultamento, com suas orações intermináveis, dopando a imprescindível dor do enlutado. Parece um contra senso usar Deus para nos livrar de algo tão importante que Ele nos oferece para amolecer nosso coração tão endurecido pela vida. Não faz sentido o exagerado consolo que busca anestesiar a dura realidade. A dor, ao contrário do prazer não deve usar máscara. Deveríamos buscar Deus em nosso dia a dia e não apenas quando não suportamos encarar nossa finitude. Prantear é também uma forma de oração. Lamentavelmente algumas religiões se utilizam de velórios e leitos hospitalares para catequizar almas. Não deveria ser assim. Como qualquer substância que entorpece e anestesia o indivíduo, a religião usada na dor também cria dependência. Utilizada como narcótico, ela não cura. Sob a fragilidade do sofrimento, corremos para decisões efêmeras e superficiais.
Talvez fosse melhor agir como fez aquele agonizante, quando foi interpelado por um pregador: Agora que chegou a hora da sua morte, você deveria renegar o diabo.
Calma, retruca o moribundo: Antes de saber para onde vou, eu não quero me incompatibilizar com ninguém.