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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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O dízimo maldito

Mal acabara de sair o último fiel, as portas do templo se fecharam, rangendo suas pesadas dobradiças. Lá dentro, os olhos do pregador pousavam sobre a coleta do dia, enquanto seus ágeis dedos, umedecidos pela saliva, iniciavam a contagem do dinheiro. Seu entusiasmado sermão havia compungido os corações das ovelhas, aumentando as ofertas para a Casa de Deus. Distraído com a manipulação das notas, ele não percebeu quando alguém surgiu não se sabe de onde e se aproximou dele. Foi apenas ao ouvir sua voz que o religioso, assustando-se, perguntou: Quem é você?  Como entrou aqui? Vestido com uma túnica negra e causando uma solene impressão, o estranho visitante falou: Não se assuste! Sou um velho conhecido seu! Eu vim cobrar minha parte do dízimo. O quê? Parte do dízimo! Essa décima parte, que recolhemos dos irmãos, é destinada ao Criador. Afinal, quem é você?

Confesso que nunca procurei o senhor para exigir minha porcentagem desse dinheiro, mas ando meio adoentado e necessito de cuidados médicos; por esse motivo estou aqui.

Quem é você? Eu nunca te vi em minha vida!

Aquela bizarra criatura olhou profundamente para o pregador e, com um sorriso malicioso, disse: O senhor sabe quem eu sou, pois já nos encontramos muitas vezes e tens visto o meu rosto em toda parte. Na verdade, eu sou bastante admirado pelo senhor!

O missionário reagiu, protestando: Mentiroso! Crápula! Farsante! Eu nunca vi o seu rosto antes. Jamais darei parte do nosso sagrado dízimo para tratar sua enfermidade.

Disse o enigmático indivíduo: O meu nome é legião!

O pregador gritou, com todos os pulmões: Vade retrum satanás! Seja maldito! Que tu morras no quinto dos infernos!

Demonstrando paciência, embora armado com veemência, o anjo caído respondeu: Há males que vêm pra bem! O senhor não sabe aquilo que está dizendo e não podes calcular o dano que poderá gerar para ti. Eu sou a causa do seu sucesso e prestígio. Sua felicidade e bem-estar não existem sem mim. Desprezas meu valor, mas vives sob minha sombra. Não se deve a minha existência a razão da profissão que o senhor escolheu?!  Por acaso o senhor não se promove as minhas custas, usando o meu nome?! Qual outra atividade o senhor teria escolhido, caso a minha morte apagasse o meu poder?! Há bastante tempo o senhor vem se valendo de mim, advertindo seus fieis contra minhas tentações, e eles, com medo, enchem sua igreja de donativos. Quem iria visitá-lo, e enaltecer suas pregações, caso soubesse que seu inimigo morreu e que eles estão livres de suas maldições?! Inteligente como o senhor é, deves saber que quando uma causa desaparece, as conseqüências desaparecem também; não é mesmo?! Como o senhor irá se virar, caso minha doença progrida e eu morra?! Como explicar o bem, onde já não existe o mal?! Talvez seus fieis não percebam, mas eles rezam mais por temor a mim, do que pelo amor ao seu Deus! Pense nisso.

Já era tarde da noite quando um vulto saiu da igreja carregando alguém nas costas, em direção ao hospital. Lá ia o servo do Altíssimo, com o inimigo sobre os ombros, à procura de salvação material. Durante todo o trajeto que eles percorreram até entrar no Pronto Socorro, o agente do mal foi ouvindo os sussurros do agente do bem, que dizia: Eu já não mais ignoro aquilo que não sabia antes. Perdoe minha ingenuidade, meu caro sócio: Sei que o seu propósito nesse mundo é tentar, e a tentação é a maneira como a Providência talvez meça o valor de nossa fé. Não morras, por favor, senão o mal desaparecerá contigo, libertando as pessoas da prudência, do bom senso, do medo e da oração. Deves continuar vivendo, porque sem ti os seres humanos deixarão de temer o inferno e mergulharão para sempre no pecado. Todo mal traz embutido no seu âmago, um bem qualquer! Quanto maior é o escuro, maior é a nossa percepção do brilho da luz!

Conclusão: É fácil servir ao diabo dando a impressão de estar servindo a Deus! Até o Nazareno se valeu do mal. Com a morte, Jesus venceu a morte!

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