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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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O perfume da fé

Perguntava eu para um dileto amigo: Você acredita em Deus? Ele respondeu: Convém acreditar; vai que Ele existe mesmo e eu disse que não acreditava!

Pois é, o problema é que a fé se ancora no futuro ou no passado. O religioso  trabalha com essas distantes ferramentas, aquilo que foi e aquilo que será.

Operando com esses dados subjetivos, resta sentir, jamais explicar os aspectos espirituais da vida. Divagações, sem rumo, servem para enfraquecer a realidade e fortalecer o imaginário.

Eu creio ou eu não creio. Embora as duas vertentes mereçam todo o respeito e uma ampla cordialidade, parece que aquele que não crê, crê mais naquilo que não crê, do que aquele que crê, crê naquilo que crê. Quem crê se mostra mais hostil com aquele que não crê. É uma ironia, pois os religiosos em geral imaginam que nenhuma religião transmite tão bem, como a sua, as virtudes do amor e do perdão.

Essa intolerância à crítica não poderia então estar desnudando falta de fé?

Quem tem medo do diabo não está duvidando de Deus? O que mais agrada a Deus: Ajudar as pessoas puramente pela preocupação com o sofrimento delas, ou ajudá-las porque alguém acha que o Criador do universo vai recompensá-lo por isso?

As eternas dúvidas daqueles que não crêem, pavimentam o caminho rumo à compreensão. A ovelha perdida na montanha é mais sábia do que a ovelha perdida no meio do rebanho. Com a fé obstruindo o discernimento, muitos sempre citam capítulos e versículos bíblicos, usando a imaginação para dar sentido a tudo.

Tolo será aquele que resolver banir a religiosidade no coração do homem.

Concordo. Ninguém vive sem fé. Mesmo aquele que não a tem, continua, em nome da dúvida, buscando e acredita que um dia irá encontrá-la. Entretanto, quem abandona a fé e se desfaz da ética e da moral torna a vida tão nociva e danosa quanto aquele que se intoxica de religião e acha que em nome dela está protegido para tudo. Fanatismos em geral acabam por dar abrigo a seres extremistas, tão comuns no seio das doutrinas.

Deus ou o Nada!

Como trabalhar com credos envolve sentimentos, a religião também tem servido para temperar o poder com a estupidez. O êxtase espiritual estimula a fome de prestígio. O fanatismo, que é a fé sem o bom senso, jamais discute a legitimidade, por exemplo, de que os dinossauros sobreviveram aos pares na arca de Noé, e que nossos ancestrais foram modelados com barro, em um jardim onde morava uma cobra falante.

O que mais chateia em algumas pessoas religiosas é que para manter sua graça, elas vivem com uso contínuo da propaganda. Até aí, tudo bem. O pior é ser vítima dessa mídia.

Deus não pode ser julgado pelos critérios humanos de moral. Mas então por que os critérios humanos de moral são exatamente aqueles que o religioso utiliza para afirmar Deus?

É uma prática comum, o uso do arsenal religioso em velórios e hospitais. Não tenho dúvidas de que a oração coincide com algumas mudanças benéficas na vida.

Sentimentos de paz e bem-aventurança aparecem enquanto oramos. No entanto, também encontramos esses estados de espírito em outras atividades afetivas.

A fé sempre teve e sempre terá um enorme prestígio, mesmo que algo não tenha provas de sua veracidade. Em qualquer outra área da vida isso seria considerado um sinal de loucura e estupidez. A religião é a única área na qual se considera nobre ter certeza acerca de coisas das qual nenhum ser humano pode ter certeza.

Numa manhã, fazendo visita aos leitos de um hospital, presenciei um religioso prometendo para um paciente que iria orar para que ele ficasse curado de sua tuberculose. Numa cama ao lado, um outro doente solicitou: O senhor também poderia orar para fazer com que minha perna, que foi amputada, voltasse a crescer.

A fé remove montanhas, desde que elas não sejam muito íngremes!

 

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Distresse

O labor sempre esteve relacionado com a virtude. Os escritos do grego Esopo, a dialética do romano Fedro e as fábulas de Jean de La Fontaine, todos eles exaltaram o trabalho como boa qualidade moral. Mente desocupada é oficina do diabo. O trabalho enobrece. Sem luta não existe ganho. Esses lugares comuns edificam a faina, valorizam o ofício, enaltecem a azáfama.

Todavia, jamais devemos nos esquecer de que o trabalho nasceu como uma maldição, um castigo. Após ter experimentado o fruto proibido, causando a ira divina, Adão caiu em desgraça e foi condenado a ganhar o pão com o suor do rosto.

Embora trabalhar seja bom, em determinadas situações suas conseqüências poderão ser nocivas.

Ninguém deve negar que o progresso trouxe melhorias para a existência das pessoas; entretanto, embutido nele veio o permanente e nefasto estresse. Frente a qualquer ameaça a sua integridade física ou emocional, o ser humano apresenta uma reação normal de adaptação denominada estresse. Trata-se de uma atitude de luta, fuga ou aceitação ao agente estressor.

Quando esses mecanismos falham, surge o denominado distresse. Situações persistentes que não conseguem ser resolvidas pelo enfrentamento, evasão ou adaptação, acabam provocando danos físicos e psíquicos. Interessante observar como pessoas diferentes reagem de formas diferentes, a um mesmo desestabilizador. O distresse continuado baixa a imunidade, aumenta a pressão arterial, desencadeia diabetes, abre úlceras duodenais, provoca colites, brota asma, produz enxaqueca, estimula fadiga, entre dezenas de outros sinais e sintomas. Toda essa carga de tensão persistente acaba queimando a energia do trabalhador. O modelo dessa atormentada vítima é aquele sujeito de ombros caídos, olhos distantes, respiração suspirosa e completamente apático; aguardando o cérebro explodir e o coração detonar. 

Existe uma fábula de La Fontaine, denominada A Cigarra e a Formiga. A história desse francês gira em torno da nobreza da formiga que trabalha durante o ano todo para que, no inverno, com a dispensa cheia, não passe fome. Quanto à leviana cigarra, leva a vida cantando e acaba morrendo a míngua.

Vendo políticos que ganham para não fazerem nada, cantores e apresentadores amplamente medíocres, enchendo-se de glórias na televisão, participantes de Big Brothers, valorizados por exibirem suas futilidades; poderíamos apresentar uma nova versão da fábula de La Fontaine:

Era uma vez uma bela e antiga história; agora bem nacional.

De uma pobre e coitada formiga, e de uma cigarra infernal.

Cantava a cigarra a toa. Nas tardes, sempre a mais linda.

Sua voz, até que era boa, mas o seu corpo, melhor ainda.

Enquanto a formiga “ralava”, tentando ganhar um nome, e quanto mais trabalhava, mas ia passando fome.

Enquanto a cigarra escondia, que não sabia “titica”.

Quanto menos ela trabalhava, mais ia ficando mais rica.

Enquanto a formiga achava, trabalho uma coisa nobre.

Quanto mais ela se matava, mais ia ficando pobre.

Até que a formiga, um dia, cansada de tanta labuta.

Gritou: Cadê aquela cigarra? Vem cá, sua filha da...!

Portanto, se você vir La fontaine, filosofando com tatu, diga-lhe então, bem solene, pra enfiar sua moral no...