O discernimento da loucura
Quando eu era Acadêmico de Medicina, me fascinava o comportamento dos pacientes durante as aulas de Psiquiatria.
Uma vez, colhendo a história clínica de um deles, eu indaguei: Conte-me tudo desde o princípio.
Bem, doutor: No princípio eu criei o Céu e a Terra.
Tempos depois, voltei encontrá-lo e perguntei: Além do Céu e da Terra, o que mais o senhor anda criando?
Doutor, eu inventei um objeto que permite enxergar através das paredes.
É mesmo! E como vai se chamar esse objeto?
Ele respondeu: Janela!
Desde então, eu venho encarando a loucura com certa reverência. Ela rouba a lucidez do indivíduo, mas costuma deixar alguma lógica na sua mente.
Nós, médicos, somos meio fascinados pela loucura e, por que não lembrar que: de médico e de louco, todos nós temos um pouco!
Diz a secretária para o psiquiatra: Doutor: Tem uma mulher lá fora dizendo que é invisível!
Diga a ela que agora eu não posso vê-la, rebateu o médico.
Qualquer pessoa que observe um louco encontrará em seu semblante algo misterioso, divino e feliz. A lucidez vive de acordo com as regras da razão. O louco navega ao sabor das paixões.
Frequentemente nós ouvimos alguém, apaixonado, dizer: Eu sou louco por fulano!
Por outro lado, sob a égide da razão, reclamamos: Este problema está me deixando louco!
Todo Gênio tem algo de louco no seu DNA.
Deus criou a razão num cantinho da cabeça e espalhou para o resto do corpo, através do coração, a semente da loucura.
A loucura não vive de razão; ela se alimenta de emoção. Está certo que perder o controle sobre os sentidos é temerário e catastrófico; mas de que consiste, afinal, a vida humana; não seria ela uma encenação?
Cada ser humano é diferente do outro e a própria vida nos faz representar um papel defensivo, diverso de nós mesmos e sempre mascarados. Vivemos essa comédia, pelo menos enquanto o Criador, lá em cima, não nos faz descer do palco.
A razão, com suas infâmias, suas censuras, suas violências, seus pecados, não agride o louco, pois ele não conhece isso, e se não o sente, deixa de ser um mal.
Observe uma criança brincando. Tudo aquilo que ela inventa, vive e curte, é cheio de fantasia e faz-de-conta. Mande um adulto agir assim; ele será taxado de louco.
Reclama um louco que se curou: Vocês me tiraram à ilusão que constituía toda minha felicidade.
Tem que existir equilíbrio entre razão e emoção. Se a emoção reina sozinha, ela arde até a sua própria destruição. Entretanto, se a razão governa absoluta, ela cristaliza toda iniciativa, bloqueia e anula todos os sonhos e ilusões.
O ser humano é tanto mais feliz quanto mais são numerosas as suas modalidades de loucura.
Lotam-se barzinhos, templos religiosos e shoppings comerciais. Pessoas correm pra lá e pra cá, trabalhando, adquirindo, gastando, se entediando. Essa maluquice é nossa vida diária. Seu paladar precisa do condimento da loucura. Temperamos a vida para fugir das aflições, das inquietações e da tristeza; essas filhas perversas da razão.
Qualquer orador que se vale apenas da razão, não prende a atenção. Aquele que aborda um assunto com o enfado da lógica faz o auditório dormir, bocejar, tossir e enjoar. Se, porém, o narrador conta uma história mirabolante, uma fábula, uma lenda, então o auditório logo se agita, os dorminhocos despertam, todos levantam a cabeça, arregalam os olhos e prestam atenção. Abençoada loucura! Enquanto isso, a razão continua acreditando que um dia o diabo ainda vá se arrepender e pedir perdão a Deus.