Religiosidade postiça
“Ó Babilônia, feliz aquele que pegar os seus filhos e os despedaçar contra a rocha!”
Moradores assustados, transeuntes assaltados, motoristas encurralados, idosos, no seu sossego, desrespeitados, doentes, de ambulância, privados; estamos diante de uma nova “Babel” denominada “Jesus Vida Verão”.
Nem todo aquele que grita: Meu Deus! Meu Deus! Entrará no reino do céu. Quando Jesus queria comunhão com o Pai, procurava o silêncio do deserto e a solidão das montanhas. Louvemos ao Senhor, mas tomemos o mingau escaldante da paixão, pelas beiradas, para não queimar nossa fé lá onde a lareira do inferno aquece a brisa do céu. Aos que pensam que tudo são palavras, restam apenas às palavras. Não adianta trocar Pôncio por Pilatos.
Meus sinceros respeitos aos verdadeiros Filhos de Deus, mas religião é como remédio; quando aplicado em excesso, intoxica. Sempre tive muito receio de atitudes fanáticas. Pessoas desse tipo parecem que estão se desculpando pelo que fizeram ou pelo que estão pensando em fazer.
Espetáculos religiosos, pregações pirotécnicas, transes histéricos, milagres ribombantes, alaridos hipnóticos, malabarismos circenses, entre outras comoções espirituais, fogem da percepção que eu tenho de Deus: Silencioso, Harmonioso e Austero. Quando alguém pediu ao flamboyant: Fale-me de Deus! Silenciosamente, ele cobriu-se de flores.
A fé é mais importante que a crença. Fé significa firmeza, equilíbrio. Crença é quando alguém pensa por nós. Muitos se mantêm acordados na escuridão e dormindo na luz.
Perdido nessas elucubrações mentais, meus olhos atravessam o fervilhante calçadão da Praia da Costa, indo pousar numa barraca, onde um dragão pede uma água de coco. Sim! É isso mesmo! Um dragão!
-Quanto é a água de coco?
-Dez reais.
-Eu quero uma. Depois de servi-lo, o vendedor comenta: É a primeira vez que eu vejo um dragão tomando água de coco!
-Pois é: por esse preço certamente vai ser a última. Virando-se para mim, o estranho réptil indaga: Que bagunça é essa aí?
Eu respondo: “Jesus Vida Verão”
Uai! Por que essa gritaria toda, essa fascinação, essa idolatria por aquele jovem lá em cima, cantando e fazendo mesuras?! A Bíblia Sagrada não diz: “Eu sou o Senhor teu Deus que te tirei da casa da servidão; não terás outros deuses diante de Mim?!”
É a vaidade humana... É a vaidade humana...
-Que história é essa que ouvi, ainda há pouco, sobre o aumento no consumo de álcool e na venda de preservativos em farmácias da orla, no decorrer deste evento? Acaso não lemos no livro sagrado: Não cobiçarás e nem cometerás adultério?!
É a vaidade humana... É a vaidade humana...
-E essa miríade de assaltos! Por que tanto joio no meio do trigo?
É vaidade humana... É a vaidade humana...
Afinal, o que é a vaidade humana?
“Não terás outros deuses diante de Mim”. Dinheiro, status, poder e reconhecimento; vivemos alimentando esses deuses que crescem dentro de nós. Pedimos a Deus não que seja feita Sua vontade, mas sim que Ele aprove a nossa.
Afastando-se do carro do coco, antes que desaparecesse, eu pergunto: Afinal, quem é você? Seria aquele menino fantasiado de “cuca”, que anima as crianças naquele trenzinho?
Claro que não; eu sou o Dragão de São Jorge.
Dragão de São Jorge! O que te trouxe de um passado tão remoto?
Além de tomar água de coco, vim testar a fé daqueles que aqui estão. Como somente posso ser visto pelos olhos da fé, já percebi que você possui bastante dela.
-Por que você diz isso?
-Ora, só quem tem fé acredita que São Jorge desistiu de matar-me quando lembrei que ele era santo e, como tal, deveria perdoar-me. Com isso, tornei-me imortal.
São Dragão? Só faltava essa!
“Para aqueles que crêem, nenhuma explicação é necessária; e para aqueles que não crêem, nenhuma explicação é possível!”
Agora vá para casa e medite. Evite comentar que conversou com um dragão. Você não seria compreendido. Muita luz é como muita sombra: não deixa ver. A verdadeira religião é a vida que levamos e não o credo que professamos. Herege não é aquele que arde na fogueira, e sim aquele que a acende.
E não se esqueça: Louvor é quando você fala com Deus. Meditação é quando você escuta Deus. O tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro! Águas agitadas mostram falta de profundidade! Não é o apito que põe o trem em movimento!
Lembre-se sempre:
Onde estará teu coração, aí estará tua oração.
Pode ser no cantinho do teu quarto, bem longe do calçadão.
Deixe essa festa prá lá, com sua falta de juízo.
Convide o Sol e o Mar, pra brincar de paraíso!