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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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Essa tola humanidade

Ainda sob efeitos etílicos do Natal, ou talvez por isso, deparo-me com Papai Noel montado em seu trenó, preparando-se para retornar ao Pólo Norte. Enquanto peço para o bom velhinho esperar um pouco, pois tenho algo para lhe falar, noto que ele está mais gordo, um tanto envelhecido e meio deprimido.

Tentando melhorar seu humor eu vou logo gritando: Feliz Natal!

Cabisbaixo, ele responde: Pra você também, meu filho.

Poxa, meu velho! Você está meio pra baixo, não é?

Mais ou menos. Tive uma discussão com Deus, antes de vir pra cá. Cheio de reumatismo, diabético e hipertenso, eu reclamei com Ele: Deus! Por que permite que o Tempo me faça sofrer tanto, quando passo todo ele rezando com devoção pra Você?

Deus: É porque você torra minha paciência, com tanta oração! Além disso, já passou da hora de você parar de puxar o saco daquele povinho lá na Terra. Engraçado? O aniversário é meu e eles é que ganham presentes! Quanto ao Tempo, que você está criticando tanto, é ele que gera vida e amadurece as pessoas. Quando Eu criei o Tempo, também fiz nascer fé e esperança!

É, mas o homem coloca fé a serviço das suas ambições!

Concordo! Muitos daqueles que dizem ter fé, assim afirmam somente porque não tem mais coragem de deixar de crer. Esses certamente irão para o inferno que mandei construir.

Certo! Um pouco atrevido, Papai Noel arrisca dizer: Entretanto, ouço muitos afirmarem, lá na Terra, que o céu e o inferno são invenções! Ontem mesmo eu perguntei para um amigo se ele acreditava em Deus e ele respondeu-me: Convém acreditar, pois vai que existe mesmo e eu disse que não acreditava! Aí eu me estrepo!

O Eterno Invisível, exaltado: Hã?! Deixe-os toparem com a velhice e as doenças e com elas a ameaça do túmulo; logo veremos que o medo do futuro modificará suas convicções! Quanto ao fato de Eu ser invisível, não vai ao caso. Quem acredita em Mim, sente o vento; Minha respiração; fita o sol, Meu olhar; percebe a chuva, essas Minhas lágrimas. Os homens, acreditando pensar em Mim, de quem não têm idéia, na verdade pensam em si mesmos. Sua inteligência seca prontamente o manancial das lágrimas que verti naquele calvário, sem dar-se ao trabalho de decifrar o sublime, de sondar e perceber Meu infinito.

Mas, voltando ao fio da meada, não se preocupe com aquele que diz não precisar de Mim. Minha grande obra, o Tempo que envelhece, o fará priorizar o espírito sobre a matéria.

É verdade, disse Noel: A vida começa aos quarenta, assim como o reumatismo e o hábito de contar a mesma história três vezes pra mesma pessoa. Ontem mesmo, lá na Terra, eu perguntei para um cidadão: O que você quer no ano de 2009? Ele respondeu: O ano de 2008 de volta!

Tudo aquilo que o Senhor nos dá, e nos apegamos, é temperado com amor, e como não sentir falta daquilo que vivemos e amamos?! Quando estamos no fim da vida, morrer quer dizer partir; quando estamos no começo do amor, partir quer dizer morrer. A vida não é, senão o que dela nos fazem os sentimentos.

Pois é, meu amigo, Papai Noel se volta pra mim e diz: Por esse motivo é que estou tão deprimido. O senhor não imagina como é difícil discutir com o Criador. Em determinados momentos, cheguei a dizer: Deus me livre de discutir com o Senhor! Não sou eu quem fala ao Senhor, meu Pai; mas a razão; e como haveria razão numa pessoa como eu, frente a Ti? A incerteza é a mais cruel das dores!

Nesse momento interrompo Papai Noel, dizendo: Eu também tenho problemas de relacionamento. Quem não os tem? Eu vivo pagando os salários atrasados dos erros da minha vida. Todavia, sigo em frente.

Eu tive uma namorada que me abandonou por motivos religiosos. Ela tinha adoração por dinheiro e eu não possuía nenhum!

Outra garota que conheci depois, também foi embora, alegando motivos de saúde. Ela ficava doente só de olhar pra mim!

Um dia desses um transeunte me perguntou: O senhor é casado? Não, estou com esta cara porque alguém acabou de roubar meu carro!

Quanto á última gatinha que entrou na minha vida, perguntei pra ela: Diga-me três palavras que me façam pairar no ar! Ela respondeu: Pendure-se numa forca! Tentando despertar seu espírito maternal, eu insisti: Estou com enxaqueca, o que faço?

Ela respondeu: mergulhe a cabeça três vezes numa grande bacia cheia de água e retire-a só duas.

Não sei se tudo isso aconteceu porque eu estava bêbado ou sonhando, mas o fato é que quando, pela manhã, acordei achei um cartão sobre minha mesa, com os seguintes dizeres:

Meu ilustre João!  Descobri que o riso é o Sol que espanta o inverno do rosto de vocês, seres humanos. Obrigado pela agradável companhia. FELIZ 2009!

Assinado: Papai Noel.

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Vila moderna

Apesar da melhor das boas intenções, claramente visível no semblante vitorioso do prefeito eleito de Vila Velha, preocupa-me ele ter dito que nossa velha vila brevemente será chamada Vila Moderna.

Educação, transporte, saúde; esses velhos e sempre lembrados chavões são imperiosamente necessários aos habitantes de uma cidade, mas poucos são os prefeitos que percebem a visível queda na qualidade de vida que o berço do Espírito Santo vem alarmantemente apresentando. O progresso é bom e necessário, mas, sem controle, tem deixado seus efeitos colaterais em nosso município, padecendo com prédios em excesso, carros em demasia, poluição sem medidas e violência desarvorada.

Todo ser humano quer ser imortal; alguns nas artes, outros na política, mas basta verificar alguns bustos nas praças para sentir seus pés de barro.  Suas quiméricas soluções, seus projetos grandiosos, antes soluções, hoje são problemas. A vaidade germina os grandes males do mundo, com o peso do passado e a miragem do futuro oscilando entre a ilusão suprema de viver na dimensão do projeto.

Difícil o eleitor que não é seduzido pela miragem de uma felicidade futura; e raro o político que pensa na qualidade daquilo que faz.

Se a natureza não é mais misteriosa, se ela não é mais sagrada, então nada nos impede mais de utilizá-la como quisermos. Ela se tornou uma espécie de loja onde os seres humanos podem se abastecer à vontade. Vale tudo. O progresso não tem outro fim além de si mesmo, de fazer usufruir. Desprovido de qualquer espécie de objetivo definido, ninguém mais sabe para onde o mundo nos leva. A lei vigente é progredir ou perecer vítima de quem progride. Estamos nos afastando do bom senso em nome do tal progresso. Embevecidos, nossos governantes assistem, praticamente anestesiados, às evoluções do mundo, mantendo o discurso de tudo melhorar, cheio de resoluções edificantes; mas sem efeito real sobre as situações. Já não olhamos mais para o relógio para verificar as horas, mas para verificar ”quanto falta”.

Talvez fosse o momento daqueles que seguram o timão do progresso pensar mais em equilibrar do que empurrar para frente.  A dinâmica da vida ensina que acelerar é tão prejudicial quando parar.

Eu desejo ao nosso novo prefeito, toda sensatez para fazer de Vila Velha, não uma cidade grande, mas uma grande cidade; não uma cidade de humanos, mas uma cidade humanizada, não uma cidade dinâmica, mas prazerosa. Afinal, de que adianta a chegada de tantas indústrias, a construção de tantos prédios, a circulação de tantos carros, a instalação de tantos shoppings elegantes; se temos mendigos para todo lado, ruas apertadas, motoristas estressados, trânsito caótico, ar poluído e pessoas assaltando e se matando?!

Antigamente, quando errava por entre as pitangueiras, coqueiros e cajueiros que vicejavam na exuberante floresta atlântica existente na Praia da Costa, eu tinha medo de animais e assombrações e dava graças a Deus quando ouvia passos de alguém que poderia andar juntos. Eu exclamava: Que bom, vou ter companhia!

Hoje, quando caminho pelas ruas pouco movimentadas, principalmente durante a noite, exclamo, com medo: Deus do céu! Vem vindo alguém!

Um progresso que transforma ”venha cá” em “alto lá” certamente deve merecer reservas na mente do nosso novo prefeito.