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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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O soprador de bafômetro

Tão logo avistam a barreira policial, um dos ocupantes do carro diz para o outro: Bicho! Pare este carro que eu vou descer! O outro responde: Não desce não, que quem está guiando é você!

Após observarem a mão do guarda sinalizando parar no acostamento, eles escutam: Podem seguir, bem devagar, pois houve um acidente logo ali na frente. Suspirando de alívio, o motorista desabafa: Graças a Deus! Pensei que o senhor fosse pedir a minha carteira; pois eu não a tenho! Vendo a mancada dada pelo colega, o carona emenda com as seguintes palavras: Liga não, seu Guarda! Ele, quando bebe, só diz besteiras!

Enquanto torcemos pela aplicação de pesada multa sobre esse tipo de motorista, esquecemos dos outros, que, ao contrário, são vítimas das mazelas do tráfego.

Falemos, então, deles e de seus automóveis, essas máquinas maravilhosas que passam o tempo todo: driblando bicicletas, motos e imprudentes pedestres; fugindo dos ônibus, de “flanelinhas”, de radares e daqueles, prá lá de chatos, entregadores de panfletos; esquentando o motor e a paciência nos quebra-molas e engarrafamentos; saltando por cima dos buracos para poder chegar ao destino, e quando chega não achando lugar para estacionar. Quando encontra uma vaga, descobre que é garagem. Aí, ele tenta chegar um pouco à frente e descobre que é ponto de taxi. Dá um pouco atrás e descobre que o desejado espaço é do deputado, do desembargador, ou de outra autoridade do governo. Desistindo, ele resolve voltar para sua casa e leva uma batida na traseira. Resultado: reboca seu carro para uma oficina, onde não há problema de espaço. É exatamente lá, que o carro permanecerá estacionado mais tempo.

Meu prezado leitor: Você é um motorista nervoso e estressado?

Você buzina tão logo abra o sinal, porque acredita que o carro da frente não quer andar?

Por outro lado, acha que o motorista de trás é um imbecil, quando você demora a largar e ele imediatamente começa buzinar?

Você tem vontade de sair do carro e esgoelar o motoboy que lhe dá uma fechada, levando seu retrovisor como lembrança?

Você pensa realmente que todo pedestre que atravessa a faixa, sem verificar que o sinal está fechado para ele, é um idiota?

Você tem vontade de abandonar o carro, para fugir de um possível assalto, quando fura um pneu no meio da estrada ou numa rua deserta?

Você reluta em discutir com o policial de trânsito que insiste em multá-lo após o teste do bafômetro, não porque você tenha bebido, mas devido ao seu desconcertante mau hálito?

Caso você tenha respondido “sim” a todas as perguntas acima, você não é, absolutamente, um neurótico, mas simplesmente um motorista.

Caso tenha respondido “não” a qualquer das perguntas, siga meu conselho: Compre um carro!

 

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Médico em carne e osso

Boas épocas aquelas em que os médicos tinham tempo para se dedicar e envolver e seus pacientes tinham tempo para ouvir e compreender.

As pessoas vivem hoje amordaçadas pelas horas e essa falta de tempo provoca condições insalubres para todos.

Os pacientes, reféns de horários com trabalho, colégio, família, presos a dezenas de encargos sociais, aliados aos sofrimentos causados pelas doenças, estresses, violência insegurança, desapontamento com hospitais, decepções com convênios e diminuição da relação cordial entre eles e vários profissionais da saúde; frente à mínima provocação acendem o estopim da intolerância, gerando quebra de empatia e desconforto para si mesmo e para o profissional que o atende.

Saindo de um plantão noturno, extenuado pela noite em exercício de minha profissão, pela manhã alcanço o consultório e tão logo examino minha agenda, percebo o enxame de clientes marcados. Para não diminuir a qualidade no atendimento daqueles que agendaram suas consultas, solicito à minha secretária que se contenha ao encaixar outros pacientes eletivos, sabendo que não iria dar conta do serviço que tanto prezo pela atenção e dedicação.

Embora dentro dos meus humanos limites e apesar de tentar contornar sempre a situação, deparo-me com o inevitável: Motivado pela justificada urgência, o paciente pressiona minha secretária para ser atendido, desmantelando o clima de amabilidade e rachando o difícil arranjo dentro do meu tempo que escoa nos meandros da minuciosa semiologia.

Costumo tentar fazer entender aos meus clientes que, nessas situações, procure um serviço de pronto-atendimento até que eu possa encontrar um jeito de dar para ele a atenção que ele merece. Com isso, eu não estou tentando descartar meu paciente, mas resolver seu padecimento que naquele momento é prioridade e não me será possível debelar.

Como a dor de um filho, o sofrimento de um pai e a angústia dos familiares não pode esperar, o médico deve ser sensível em arranjar uma solução imediata. Destarte, o paciente acabou sendo atendido.

Existe diferença entre urgência e emergência. Embora o sofrimento seja o mesmo, na emergência existe risco de vida; aí nada deve deter o profissional de largar tudo e lançar mão rapidamente de todos os recursos para salva-la.

O médico também costuma se deparar com situações crônicas, onde calma e prudência caracterizam sabedoria. Dificuldades, incompreensões e desentendimentos fazem parte na rotina daqueles que labutam na medicina. Esses percalços amadurecem e dignifica o profissional, tal como o vento, que necessita encontrar pela frente um obstáculo para não perder sua força e se dissipar na imensidão.

Em sua luta diária contra o sofrimento, a função do médico é afastar a doença o mais rápido possível do paciente; mas qual seria o objetivo da enfermidade, tão presente no ser humano?

A doença, que ensina o indivíduo a morrer, também o ensina a viver!

Uma das funções da patologia incurável é nos dar coragem para morrer, uma vez que, na medida em que nos domina, diminui nosso apego à vida.

Talvez, por esse motivo, adoecemos tanto na velhice. Envelhecendo devagar, quase imperceptivelmente a natureza nos familiariza com essa miserável condição, que é a morte. O divórcio entre ela e a eternidade nasceu no paraíso!

Existe um interessante paradoxo que a fama produz na relação médico-paciente: Quando um paciente briga com o Senhor João por causa do Doutor João, na verdade ele está dizendo que confia na medicina do Doutor João, mas o Senhor João não é valorizado como ser humano finito; e sim idealizado apenas naquilo de imortal que luta para oferecer: a continuação da vida.

Interessante notar que quanto mais o Doutor João é valorizado, menos tem tempo de ser o Senhor João, pois aumenta o número de pessoas que o procuram, achatando e minguando o tempo em que labuta na sua condição humana.

Por outro lado, o Senhor João, para proteger o Doutor João, tem que fazer das tripas o coração para domesticar a enfermidade, prometendo a difícil tarefa de continuar correndo contra o tempo, tentando, com a cura, alcançar as alturas onde foi depositado seu prestígio.