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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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Reflexões sobre finados

Balangar o beiço sobre a morte mostra-se tão estéril quanto tentar negá-la; a não ser que se deite falação sobre sua fonte, a vida.

O medo da morte é talvez o mais legítimo de todos os temores. Ao nascer, entramos em contato com a veemência desse pavor. Choramos de arrepios e incertezas, entre sustos sistemáticos e ameaças vitais. Tentamos compreender o medo, como a nós mesmos. Isso é ser medrosamente humano. O medo nasceu com a vida e se espalhou pelo universo. Lá está ele, no ronco do trovão, na faísca do raio, na angústia da separação, no trauma do nascimento, nas necessidades do coração. A morte é abstrata, mas emite sua presença através do medo, esse espectro incômodo que se veste de angústia. Falta um minuto para o próximo medo. Mas, mesmo depois de conhecido, ele ainda continua sendo medo. Algo está me deixando inquieto e nervoso; é o medo de ter medo, que atende pelo nome de ansiedade.

Existe medo em estado sólido, como a bala que sai de uma arma ou os dentes de um cão feroz. Existe medo em estado líquido, como a presença de uma onda engolfando a frágil embarcação ou do sangue que jorra de uma hemorragia. Existe medo em estado gasoso, como o olhar de quem abandona ou a evaporação da esperança de quem perdeu. O medo é a alma em estado de coma.

Morremos de medo de morrer; é bem verdade. Todavia, a morte também mata o medo. O corpo divide com a alma e dissolve nela a debilitante presença dele. O medo é especialista em desmaios, tremores e dormências. Ele aprecia passear pelo sangue, contrair as artérias e gelar a medula. Seu alimento preferido é a adrenalina. Muitas vezes ele age como verdugo, fazendo o corpo perder a cabeça. Outras vezes ele sacode o suor, hidratando os poros da testa, enquanto faz a boca gaguejar e os dentes baterem. Difícil é de se esconder, aquele que tem medo. Talvez dentro de uma sauna não se perceba o medo, porque lá, a pessoa estará suando no molhado.

Mas, como já dissemos, até o medo é fatal. A vida é mortal. Constatamos isso todos os dias do ano, através das doenças, dos crimes, dos atropelamentos, dos acidentes, dos homicídios e, finalmente, da velhice. Mas, pelo visto, a morte natural morreu ou está nas últimas. Basta checar, num cemitério, quem morreu de forma natural. São eles tão bem poucos!

É comum, também, tropeçarmos com a morte viva; ou, melhor dizendo, pessoas mortas que ainda não morreram. Pequena é a parte da vida que elas vivem. A parte restante é mero tempo e não vida. Muitas vezes um indivíduo de oitenta anos só tem quarenta; afinal os outros quarenta nunca pertenceram a ele. Muitos confundem: viver muito com durar bastante. Eles não percebem o tempo que escorre através dos buracos da sua alma furada. Para eles o medo da morte oculta vida mal vivida. Por outro lado, quem ama a vida e sabe viver, soma com a sua idade, todas as demais idades dos outros seres.

Quando olhamos para trás e tentamos recapturar na memória o início da nossa vida, vemos algo que lembra o vazio, o nada, tal como a morte. Por esse motivo, não devemos temer a morte, afinal nós estávamos mortos antes de nascer e não nos lembramos que isso tenha nos incomodado.

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Solteiro também é gente

Comprar uma casa de praia foi um dos maravilhosos sonhos realizados durante meu último romance. Essa época me favoreceu o plantio de lavouras de esperanças e uma farta colheita de gratificações. Mas, como tudo na vida acaba; inclusive a própria vida; aqui estou eu, novamente, labutando nessa vida de solteiro.
Ir ao cinema com uma nova paquera é tão previsível quanto ela dizer que quer conhecer seu apartamento. A princípio você exulta, até lembrar a desarrumação e o lixo em que se encontram seu aconchegante e prosaico lar.
Será que ela gosta de poeira? Será que depois eu não terei que levá-la ao hospital com uma crise de rinite alérgica?
Eu passo a manhã inteira limpando a velha pocilga para alcançar a categoria de bagunça!
Situações como essas costumam fazer parte do cotidiano dos solteiros. A solidão administrada é até salutar para quem necessita reorganizar seus arquivos mentais; mas cuidado com os vícios adquirido ao viver sozinho.
Um dos problemas mais enfrentados pelo solteiro é ter sua masculinidade posta à prova diàriamente.
Se o indivíduo é recém solteiro a cobrança até que é suave, mas caso tenha sido sempre solteiro, a plebe ignara cai de pau em cima. São nesses momentos que muitos solteiros se juntam para reforçar suas performances sexuais, gerando aquelas tradicionais perguntas: “Quantas gatas você faturou esta semana?
O que me enlouquece é que aparece sempre alguém pra dizer: “Deixa eu ver”...
“Deixa eu ver!” Que droga é essa de “deixa eu ver?” Eu sempre achei que “deixa eu” ver é uma frase que se diz para quando alguém lhe pede pra tentar lembrar os nomes de todos os políticos que roubam! Esses eternos lugares comuns de machismo grassam entre nós, homens.
A gente adora contar vantagem. E tudo vem do mesmo lugar: insegurança! Temos necessidade de proteger constantemente nossa imagem de macho.
Experimente você, meu amigo, dar um abraço no cara que acaba de te contar que saiu com aquela fulaninha! Você vai tirar todo o seu equilíbrio de macho dos eixos. Ele vai reforçar a virilidade dele dizendo que depois do ato correu lá pra fora e fez quinhentas flexões.
Todos os homens possuem aquela mentalidade de “não fique muito perto de outro homem”. Experimente abrir a porta de uma loja para alguma mulher e perceber que um homem está pegando carona e passando! Ah, não! Na-na-ni-na-não! Ele larga a porta na cara do outro. Escuta aqui, mermão! Eu estou abrindo a porta pra ela. Não pensa que estou abrindo pra marmanjo, não! Segura o resto com o pé, “brother”.
Muito curioso também é um cidadão ao lado do outro, perfilado num mictório público.
Ele olha desconfiado para os lados e para trás e pensa: E se eu ficar nervoso e não conseguir fazer xixi? E se eu parar na metade do xixi? E se eu fizer um xixi demorado demais? E se no meio do xixi eu emitir algum som? E que Deus não permita, mas se por acaso eu, sem querer, der uma olhadinha para os genitais do cara ao lado? E que Deus também não permita que ele me pegue olhando! E que pelo amor de Deus, ele não permita, mais uma vez, se ele me pegar olhando porque ele também estava me olhando!
Semana passada, depois do habitual passeio com minha nova gata pelos corredores do Shopping Praia da Costa, solicitei que ela esperasse, enquanto eu iria ao WC. Lá estava eu, em pé, fazendo meu xixi amigo, quando ao meu lado um indivíduo perguntou: O senhor é Canela Verde. O senhor é Canela Verde e nasceu na Travessia Pedro Palácios. O senhor é Canela Verde, nasceu na Travessia Pedro Palácios e fez operação de fimose, em 1968, com o médico Dr. Amado Pinto.
Como é que você sabe?!
Eu sei, por que ele era canhoto e o senhor está mijando no meu pé esquerdo!