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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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Agruras de um cidadão

Ontem foi sexta feira. Um dia como todos os demais. Eu retorno do trabalho, faço meu lanche, ligo a televisão, e vejo as notícias de sempre: Político ladrão, que foi denunciado, continua solto; governo, com inveja do ladrão, aumenta os impostos; ladrão rouba cidadão dentro de shopping; ladrão rouba loja no centro; ladrão rouba loja na periferia; ladrão rouba loja maçônica; ladrão rouba policial armado; policial rouba o roubo do ladrão desarmado; ladrão rouba consciência do juiz e consegue cem anos de perdão. Desviando minha atenção dos olhos para os ouvidos, surge uma voz gritando: Pega ladrão! Levanto da cadeira, olho pela báscula do banheiro e vejo meu vizinho parlamentando com um meliante que insiste em quebrar o vidro do salão de festas do prédio, na tentativa de levar o que havia restado de outro assalto ocorrido no mesmo dia, pela manhã. O incrédulo morador argumenta: Vai embora, cara! Você chegou tarde! Seu colega, que aqui esteve hoje cedo, carregou o computador e duas botijas de gás!

O larápio, estalando a boca de contrariedade, fazendo gestos obscenos, chateado com a concorrência desleal, resolve partir. Acabo de tomar meu café enquanto penso: Amanhã é sábado. Irei dar um pulo em Domingos Martins. Talvez o clima ameno e a natureza bucólica daquele singelo lugar, aliviem meu estresse. Realmente surte efeito. Subir a serra areja os pulmões e oxigena o espírito. Passo um dia aprazível e salutar. Quando, finalmente, o sol começa deixar no céu aquele maravilhoso borrão cor de abóbora, traduzindo sua partida, eu levanto acampamento e parto de volta para Vila Velha. Revigorado, leve, calmo e tranqüilo, esquecido das agruras das cidades grandes, lá venho eu dirigindo meu automóvel, quando surge na minha frente um batalhão de carros de polícia fechando toda rodovia e gritando que todos recuem. Um grupo de assaltantes havia invadido uma empresa, e tornado reféns seus funcionários. Gritos de aflição, tiros pipocando por todos os lados, freadas bruscas de veículos; estou no meio do caos. Como não há jeito de retornar, contorno o asfalto e avanço em direção a rua que serpenteia um morro ao lado da rodovia. Quanto mais ouço o burburinho lá embaixo, mais rapidamente subo a ladeira tentando me proteger.

Em dado momento, eu noto que havia pulado da frigideira e caído dentro do fogo. Vou dar com meus costados numa favela, onde a maioria dos caminhos não possui saída. Surgem na minha frente: buracos pra todo lado, cachorros pra todo canto, e barracos pra todo lugar.  É claro que milhares de pessoas de bem, gente humilde, e sem recursos, moram nesses locais, mas convém não esquecer que marginais, traficantes, e afins, costumam lá se esconderem. Quando dou por mim, já era tarde. Entro numa viela e topo com um barranco. Saio dela e entro num beco sem saída, indo parar na vertente do morro. Após várias tentativas, alguns indivíduos mal encarados começam me olhar e aglomeram-se no início da rua onde eu havia penetrado. Ao redor do morro, dezenas de bananeiras se perfilam nas encostas, convidando para aliviar minha cólica intestinal, fruto do cagaço.

Eu tento sair sem chamar atenção, mas os cachorros me deduram com seus latidos. Suando frio, dou marcha a ré e sou interceptado por quatro elementos que me fazem parar e vão logo dizendo: Se perdeu, não é? “Mané”! Tremendo cada fibra muscular do meu corpo, eu respondo, tentando inventar uma desculpa: Creio que sim. Eu vim buscar um “bagulho” e não estou conseguindo voltar! Como faço pra sair daqui? Sentencia o mais forte deles: “Mermão”! Negócio é o seguinte: Não dá pra oferecer segurança pro cliente, de dia! Vê se da próxima vez, venha durante a noite! Vai tentando que você acaba zarpando daqui, e cuidado com a rapa! Rapa? Sim a polícia, meu chapa! Zé! Leva o freguês lá embaixo, vociferou o “bom samaritano”. Trinta pratas foi o pedágio cobrado pelo Zé Lombriga. Diz ele: Ta barato, gente boa! Sim! Sim! Eu concordo. Vamos logo! Você é legal Eu vou te dar cinqüenta reais!

Depois de quarenta minutos de aflição, entrando e saindo nas mesmas ruas, eu descubro que o Zé, confortavelmente instalado no banco do meu carro, está com vontade de tirar um sarro da minha cara e brincar com o meu medo, antes de me liberar. Entre tantos pensamentos macabros que atravessam meu pobre cérebro, um martela sem cessar, o de morrer com um tiro, que seria mais honrado, ou tombar fulminado pelos eflúvios emanados das axilas hediondas de Zé Lombriga! Finalmente ele desce do carro e pede que eu siga a linha do trem. Olho para o céu e clamo: Oh Deus! Tire-me daqui! Apesar de empenar uma roda, rasgar um pneu, e danificar a suspensão do carro, rodando durante quinze minutos sobre a superfície lunar que margeia os trilhos do trem, consigo chegar ao bairro de Jardim América. Quando avisto o tão familiar galpão da Companhia Ferro e Aço, percebo que estou salvo, restando-me agora a penosa atitude de resgatar a tão amada paz, a tão sonhada esperança, e a tão nutrida fé, que nadam desesperadamente no meu coração, tentando não se afogarem no mar de lágrimas que descem torrencialmente dos olhos do “Mané”!

 

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Estacionamento Proibido

São seis horas da tarde. Acabo de enfiar o “focinho” do meu carro na Avenida Hugo Musso, no sentido da Praia da Costa para Itapoã. Estou me sentindo meio constrangido e envergonhado, tanto pelo mico que acabo de passar, quanto por ter irritado o gentil funcionário daquele laboratório de análises.

Eu sofro de prisão de ventre. Ao contrário da Câmara e do Senado Federal, onde muitos deputados e congressistas parecem que vivem tomando laxantes e despejando seus excrementos sobre a nação, eu também faço o tal “esforço concentrado”; não para votar matérias de interesse nacional, mas para exonerar meus escatológicos detritos. Em função disso, passo o dia inteiro tentando conseguir levar o material colhido para análise. Como todos aqueles que se alimentam fora, é mais do que justo, de tempos em tempos, pesquisar vermes intestinais.

Já passam das cinco da tarde quando, finalmente, chego ao laboratório com o pequeno pote nas mãos. De forma diligente, o funcionário cola uma pequena etiqueta no vasilhame e, devolvendo-me, diz: Coloque o nome. Eu, mais que depressa, pego a caneta e escrevo: “Bosta”.

Além desse vexame, eu noto a Torre de Babel instalada na Avenida Hugo Musso; situado ao lado do tal laboratório, verdadeiro gargalo por onde passam, nesse horário, milhares de carros.

Lembro quando a Praia da Costa era bastante calma e tranqüila para se viver. Hoje nós levamos mais tempo trafegando de carro, do que andando a pé. Nesse momento, esses pensamentos saudosistas são quebrados pela presença de uma cabeluda e horripilante aranha, no vidro do meu carro.

Jesus do céu! Esse bicho deve ter embarcado no estacionamento do CREFES, local onde eu trabalho, e que se localiza sob os pés do Morro do Moreno, ninho de verdadeira fauna.

Olho novamente e, lá está aquele ser fantasmagórico no vidro do veículo! Tudo bem! Eu sei que isso pode não ser um drama para você, meu caro leitor, mas eu confesso que não levo jeito para matar insetos, besouros, baratas, aranhas, e afins!

Está bem! Talvez você esteja pensando que todo homem é o matador oficial dos insetos que aparecem no lar? Eu concordo! Depois, é claro, de ter esgotado todos os argumentos com os vizinhos, e tentado a defesa civil junto com as forças armadas.

Lá continua, aquela aranha peluda e repelente, bem no meio do meu vidro, e tudo o que penso é que eu quero aquele monstro fora dali, e pronto. Ràpidamente meu cérebro traça um plano simples: ligar o limpador de pára-brisa e arremessá-lo longe.

Reflito: E se o limpador de pára-brisa arremessá-lo justamente para a minha janela! E aí? Eu fico achando que ele sumiu, saio do carro, e ele pula no meu pescoço! Não ria! Já vi isso num filme! Eu fico sem saber o que fazer. Se pelo menos eu estivesse perto de um “lava-jato”, tudo estaria resolvido, mas estou preso no trânsito infernal da Avenida Hugo Musso! Isso também afasta a possibilidade de eu correr na concessionária e comprar um carro novo!

Eu permaneço com um olho na aranha e outro na avenida. Olho desolado e vejo que não posso parar. Estou cercado por placas de sinalização. Em toda parte leio que é proibido estacionar entre seis e oito horas da noite. Exatamente no horário em que aquele aracnídio resolver infernizar minha vida! Talvez eu não consiga sustentar essa situação muito tempo, sem causar um acidente. Depois de alguns minutos, eu resolvo tentar tirá-la de lá por telepatia. Eu me concentro até espremer o cérebro; e nada!

Arrisco ligar os limpadores. Também nada! Ela nem se coça. Meu limpador, empenado, passa por cima dela, sem que ela se incomode. Ela continua tecendo sua teia.

Desesperado, ligo a água para tentar lavá-la de lá. Nem é com ela!

Começo suar de frio, enquanto meu medo toma dimensões transcendentais, esotéricas, cosmológicas, e telúricas!

Alguém, caminhando pela calçada, ao lado, grita: João! Ela está aí deeeeeeeentro!

Estou com muita vergonha de contar o final da história. Vou dar uma dica: Outro exame de fezes!