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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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A burrice do ladrão

Talvez eu não escute quando, daqui ha pouco, meu relógio bater meia noite, afinal já estou dormindo desde dez horas. Talvez eu nem perceba as horas que posteriormente irão deslizar sobre o negro e estrelado manto que cobre o céu, escondendo da luz do dia a transitoriedade da vida. Mas, ao contrário da continuação dessa sonolenta rotina, o telefone toca, ressuscitando minha consciência, e eu acordo.

Meio obnubilado, eu pego o fone e nem percebo que a ligação está sendo efetuada a cobrar. Do outro lado da linha, pela enésima vez, alguém tenta aplicar aquele manjado golpe do seqüestro. Sabendo que muitas pessoas ainda caem nesse prosaico conto do vigário, começa a lengalenga do filho estar em poder deles, ordem de créditos para celular, dinheiro depositado em contas “laranjas”, entre outras artimanhas.

Meu cérebro, pego de surpresa e motivado por eletrizante carga de adrenalina, não consegue o equilíbrio da sensatez e entra lamentavelmente naquele jogo, iniciando uma tão inócua quanto estéril discussão com o meliante.

Antes mesmo de ouvir suas balelas, carregado de desconforto e irritação, eu inicio um derrame eloqüente de uma cachoeira de palavras que atravessam apressadas da minha mente em direção a minha boca, sem passar pelo filtro da lucidez.

Eu começo então vociferar: Caso você, patético estorvo social, fosse mais inteligente, mesmo sendo vagabundo, estaria solto. Isso prova então que você, além de bandido, é burro!

Confesso que até nutro certa admiração pelos vigaristas inteligentes, afinal eles não se utilizam, nem da violência, nem da morte, para aplicarem seus golpes. Al Capone e Lúcio Flávio foram admirados pelo seu talento e inteligência, enquanto se mantiveram livres. Presos, eles perderam o encanto.

Enquanto discorria meu sermão, o pseudo-seqüestrador tentava me interromper com ameaças de morte; mas não fiquei intimidado e continuei: Vocês, ratazanas de esgoto, são valentes na sombra. Seus escudos são sempre, a penumbra da noite, o vazio do anonimato, ou o poder hediondo de uma arma.

Ser bandido é fácil! Difícil é ser cidadão, acordando às cinco horas da manhã, umedecendo, com o suor da labuta, o duro pão de cada dia. Difícil é ter que deixar mais da metade do que se ganha para os exorbitantes impostos que alimentam a gula dos governantes inescrupulosos que, muitas vezes, acabam competindo com vocês! Difícil é não poder contar com a justiça, porque ela tem andado bastante cega, esquecendo de procurar o criminoso, não nas sarjetas, mas nas câmaras, nas prefeituras, no congresso, nos palácios, ou até mesmo embaixo de certas togas!

Apesar disso, “mermão”: O otário aqui é mais corajoso do que o sabido aí! O idiota aqui continua encarando a difícil e nobre função de ser honesto. O esperto aí está trancafiado, usando o telefone celular para intimidar pessoas ingênuas. O tolo aqui está solto, respirando a brisa do mar, fitando o esplendor do dia, acompanhando o deslumbrante desfile do sol coando seus raios por entre as nuvens! O espertalhão aí vê sua juventude escorrer como areia por entre os dedos, lançando no esgoto do tempo seus desejos e aspirações!

Para terminar, eu gostaria que você me respondesse: Por onde anda o sonho de sua desdita mãe? Onde foi parar aquele bebê outrora erguido nos braços do pai, com tanto orgulho? Onde está aquela criança que embalava tantos devaneios! Cadê ela?

Será que não seria esse o momento de você devolver a esperança que brilhava nos olhos daquela que tanto te amou, acreditando que ela cresceria junto com você?!

Será que a precariedade da sua vida não clama pela fé que você matou afogada nas lágrimas torrenciais dos olhos de quem te acalentou?! Pois quem mata o amor dentro de si; acaba matando também aquele que deu esse amor para ele!

 

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Há males que vem pra bem

Até Santo Agostinho, quem diria, racionalizou a presença do mal, ao afirmar que a vida nem sempre se resume na inequívoca opção pelo que é absolutamente certo ou errado. Frequentemente, diz ele, a escolha recai sobre o menor de dois males!

Tudo leva crer, então, que o remédio amargo para o mal se encontra dentro dele próprio. A luz necessita do escuro para brilhar! Todo remédio é veneno, e todo veneno é remédio!

Para que o dia fosse louvado, Deus criou a noite! Tentando adicionar joio na hóstia, Judas dissolveu Jesus no Espírito do Pai!

Muitos seres humanos cultivam na lama do mal as sementes do bem. Por outro lado, a flor que nasce no pântano, e que no lodo do pântano viceja, pode ser que seja muito boa, mas pode ser que também não seja. Deve-se ter muita cautela ao se tentar retirar o mal de um indivíduo, pois ele pode representar aquela viga que sustenta todas as estacas do bem, e que mantém de pé sua estrutura moral! Se nossos demônios resolverem nos deixar, correremos o risco de ver nossos anjos, perdendo sua serventia, nos abandonar também!

Caminhando de uma cidade em direção a outra, um padre resolveu cortar caminho, atravessando um cemitério. Em dado momento, ouviu um gemido macabro que saia de uma sepultura aberta. Aproximando-se, pousou seus espantados olhos sobre um estranho indivíduo, com um ferimento no peito, sangrando abundantemente.

Perguntou o pároco: Quem é você?

A sombria e esquisita criatura, descerrando as pálpebras, suplicou que fosse salvo.

Talvez você seja um ladrão que tenha feito mal a alguém, e depois se escondido aí dentro?!

Não! Não! Nada disso! Eu estava voando, quando fui surpreendido por um Anjo Serafim e acabei lutando com ele. Eu já estava quase ganhando a peleja, mas ele foi mais ágil, me ferindo com sua espada, e tive que me ocultar nesta cova, para não morrer!

Afasta-te Satanás! Maldito tu sejas! Morras em nome de Deus!

Calma! Calma! O Senhor deve ter misericórdia de mim! Quantas vezes o senhor diz meu nome, durante sua celebração? Acho mesmo que o senhor fala mais sobre mim, do que no seu Deus! Talvez o senhor também não perceba que a maioria dos fiéis que freqüenta seu templo; ali está mais pelo temor que possui de mim, do que pelo amor que dedica ao seu Deus! Se o senhor não me salvar, certamente sua igreja irá esvaziar, as ofertas irão declinar, os dízimos irão minguar; afinal, onde não existe o mal; de que serve o bem?!

Sem mais delonga, o pregador colocou o diabo nas costas e partiu rapidamente em direção ao hospital mais próximo, em busca de socorro!

Falar sobre a presença do mal na vida humana é mostrar o mais que desejável dever de lidar com uma realidade mais do que indesejável. Concordar que nossa natureza oscila entre o bem e o mal não quer dizer que o mal deva ser ignorado; pois a melhor maneira de combater um inimigo é conhecê-lo. A luz que insiste em brilhar muito, se torna sombra da próxima luz. Até mesmo a claridade respeita as trevas; basta observar como a chama treme de medo da escuridão, quando percebe a vela se extinguindo!

O maior perigo do mal reside na capacidade que ele possui de aliciar e acomodar seu hospedeiro. De tanto conviver com ele; muitos já não percebem seus sintomas: violência, egoísmo, arrogância, vaidade, sadismo, pouco Deus e muito fanatismo! Aceitando o anormal como norma, o indivíduo banaliza o mal, atrofiando seus valores éticos e morais.

O primeiro contato com o mal provoca no ser humano um choque traumático, carregado de intensa aversão, angústia, e terror. Com sua repetição e a exposição crônica aos seus efeitos, a reação é de retração, indiferença, e torpor.

Durante a Segunda Guerra Mundial, confrontado com o mal, o povo alemão caiu numa apatia geral; mostrando mais uma tendência de ignorar, do que derrubar o flagelo nazista!