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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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O virulento pernilongo da dengue

Quando, no século XVI, um desolado negro africano entrou no porão daquele infecto e lúgubre navio; frios e sombrios sentimentos de solidão, isolamento, e abandono, invadiram seu coração. A servidão na Terra dos Papagaios representaria, para ele, a mais dura, prosaica, e miserável realidade.

Indiferente ao seu banzo, um pernilongo se deliciava com seu sangue, durante a viagem. Instintivamente, o Aedes aegypti havia embarcado naquele cemitério de gente viva, alguns dias antes, na ilha de Zanzibar, trazendo na bagagem o vírus da dengue. Aedes significa hostil, inamistoso.

Se para aquele desamparado escravo, a Terra de Santa Cruz representou um martírio sem fim, para o mosquito, ela se mostrou um paraíso, com seu clima quente, florestas, rios, lagos, índios e portugueses. Encanto das pupilas, tormento dos corações!

Ninguém por essas plagas ouvira falar da doença causada pelos espíritos maus de Zanzibar (ki denga pepo).

Desde aquele tempo, o Brasil vem apresentando surtos de Dengue. Alguns pensam que a doença é recente; tendo ouvido dizer dela apenas depois de 1981. De fato, entre 1923 e 1981 a patologia andou sumida. Ao contrário dos atuais governantes, que empurram a saúde pública com a barriga, a partir de 1903, os sanitaristas Emílio Ribas e Oswaldo Cruz, apoiados pelo governo brasileiro, e tendo um forte suporte financeiro da Fundação Rockefeller, iniciaram o combate ao mosquito da febre amarela, o mesmo que transmite dengue, conseguindo erradicá-lo em 1920.

Atualmente, com o retorno da peleja com o mosquito, os surtos parecem diminuir. Todavia, ainda pouco se pode fazer após contrair a doença.

Sua manifestação mais comum é a forma clássica, apresentando como sinais e sintomas: febre, dores nos músculos e articulações, cefaléia, e manchas vermelhas na pele.

Embora exista uma forma assintomática da doença; infelizmente ela é rara. Em compensação a forma grave, com o desencadeamento de distúrbios de coagulação e choque, também não é comum.

Ao contrario do que ocorre, sempre para desgosto do pobre, com a maioria das outras doenças infecciosas, quanto mais saudável e nutrido for o paciente, mais o mosquito da dengue gosta e agradece.

Muitas pessoas confundem dengue com outras viroses, principalmente a velha e inconveniente gripe.

Como toda patologia que cursa com vírus apresenta um quadro clínico semelhante, febre, cefaléia, dor no corpo e astenia, é importante lembrar ser a dengue uma doença exantemática, ou seja, provoca erupções na pele. Os enfermos também reclamam de uma torturante dor ao redor dos olhos. Esse sintoma é causado pela multiplicação dos vírus na musculatura orbital.

O tratamento da dengue, como ocorre em outras moléstias viróticas, é decepcionante; uma vez que pouco se pode fazer. Guardar repouso torna-se compulsório, já que o indivíduo mal consegue andar. Analgésicos e antipiréticos lutam desesperadamente contra a dor e a febre, mas elas somente abandonam o corpo quando o vírus enfraquece. Anorexia e astenia traduzem a impotência do enfermo frente á “batalha quebra ossos”, travada no seu organismo entre antígenos e anticorpos.

Sete, dez, até quinze dias, são necessários para que o doente acredite que voltará ao seu normal. Enquanto isso ele passa os dias examinando sua pele áspera; verdadeiras ilhas brancas em um mar vermelho.

Durante a viagem rumo ao Brasil, aquele pernilongo cruzava o oceano atlântico carregando no seu ventre o vírus da dengue. No exato momento em que morria o padecido escravo, o alado colonizador aqui chegava com seus rebentos.

Além de infectar o ser humano, o mosquito também contamina sua própria prole através da transmissão trans-ovariana. Seus filhotes já nascem, portanto, contendo o vírus dentro de si.

Se para eles, esse vírus não significa nada; para nós, é o fim da picada!

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Pesadelo de Natal

O belo entardecer do dia 24 de Dezembro esgarça o manto dourado do Sol, deixando vazar miríades de fagulhas de luz que são levados pela brisa da noite para acender as Estrelas.

Aguardando a tão esperada Ceia de Natal, resolvo tomar um banho e descansar um pouco. Desde sete horas da manhã que eu laboro sem cessar. Mal saio do chuveiro e tão logo me enxugo, já adormeço sobre a cama. Não me lembro bem quantos minutos são decorridos posteriormente, mas logo começo escutar alguns gritos de insultos, seguidos por várias agressões físicas. Antes mesmo de conseguir entender o que se passa, alguém dá um pontapé na porta.  Entre safanões e empurrões, sou conduzido para fora do quarto e, logo depois, para dentro do porta-malas de um carro. Por mais que eu tente tomar pé da situação, não consigo, naquele momento, perceber que estou sendo vítima de um seqüestro.

Completamente tonto, dolorido, e desnorteado, passo longas horas sufocando naquele recinto apertado e escuro. Em dado momento, os meliantes param o carro, abrem a tampa do porta-malas, colocam uma venda sobre meus olhos, e me puxam para fora. Sob gritos de ameaça de morte, e agressões de todo tipo, caminhamos horas e horas sobre um terreno acidentado e coberto de vegetação. Quando eu achei que fosse desmaiar de tanto cansaço, eles resolvem parar e me amarram em um tronco de uma árvore, usando como corda um cruel pedaço de arame farpado. Logo depois, retiram a venda que cobre minha visão e, antes mesmo que possa identificar meus torturadores, levo uma coronhada de revólver na boca, me fazendo cuspir dois dentes. Lívido de terror, eu continuo sem atinar por que tudo aquilo está acontecendo. Entretanto, o mal não necessita de razões; basta-lhe um pretexto. A perversidade morde mais do que ladra!

Obnubilado, eu não consigo perceber o efeito da cocaína que liberta a besta-fera habitante nos recônditos daquelas truculentas almas, deformadas pela ausência de Deus, destituídas de amor, e sem misericórdia.

Completamente possuídos pelo sadismo e pela maldade, eles apontam seus revólveres em direção a minha cabeça e puxam os gatilhos várias vezes. Entretanto, mãos estranhas desarmam aquelas espoletas, pois todas as tentativas falham. Cansados de renderem homenagem ao demônio, eles resolvem partir, me deixando lá, amarrado, sangrando, e desmaiado.

Algum tempo depois, acordo daquele estado de torpor e percebo que estou sozinho.

Levo torturantes minutos desenrolando aqueles espinhos de arame, cravados no meu corpo. Libertado, saio cambaleando e não percebo o longo declive que se projeta a minha frente. Eu tombo, rolando ribanceira abaixo, me custando, com isso, duas costelas quebradas. Chegando finalmente ao pé da montanha, eu levanto, gemendo de dor, e tento caminhar. Lamentavelmente não noto ter caído num quintal policiado por dois inamistosos cães que, sem dó nem piedade, investem contra mim, arrancando dois nacos de carne do meu traseiro. Olho para o céu e clamo a Deus que me ajude. No alto do firmamento uma grande estrela pisca pra mim. Começo chorar e caminho na direção do vestígio de luz que ela deixa naquele inóspito matagal. Ela continua riscando o céu com seu rastro, e eu continuo seguindo sua luz. Após algumas horas, consigo alcançar uma estrada asfaltada. Passo então a andar pelo acostamento, e percebo que a estrela para por um instante, e muda de direção. Desesperado eu pergunto: Aonde tu vais, meu Jesus?! Imediatamente ouço o vento sussurrar no meu ouvido: Depois de tudo o que tenho visto no mundo, eu estou voltando para o Gólgota, para que me crucifiquem outra vez!

Apenas iluminado pelos faróis dos carros, eu consigo alcançar um posto de gasolina e peço ajuda. Sou imediatamente conduzido para um Pronto Socorro, medicado, e posteriormente levado para casa.

Horas depois, eu acordo e vejo todos sorrindo ao meu redor.

Confuso, pergunto: O que aconteceu comigo? Eles respondem: Não houve nada de importante; apenas você cochilou, tentando descansar um pouco, e dormiu durante horas. Pela forma como se contorcia, cremos que teve um pesadelo.

Faltam poucos minutos para o relógio bater meia noite. Eu levanto do leito, caminho vagarosamente para a janela, e vejo aquela mesma estrela me fitando lá no alto do firmamento. Fecho os olhos e rezo:

Ó Vós que sois! Que bom que o Senhor desistiu de retornar para o calvário em Jerusalém! O Sol, que Tu inundaste de luz, precisa destruir as sombras que os homens lançam sobre a Terra. Eu sei que não basta apenas que as pessoas se ajoelhem diante Ti, sob o céu de Tua criação, contemplando os imensos ramos carregados de estrelas. Mas, cabe ao ser humano trabalhar para sua própria alma, não confundindo: fé com religião, milagre com mistério, Natal, com Festa de Aniversário!

De que vale um bando de corujas comemorarem a noite do Teu nascimento, se elas não conseguem enxergar a luz dos Teus ensinamentos?!

Derrame sobre nós, Querido Aniversariante, os raios da eterna Estrela de Belém!

Sabemos que a escuridão é vertiginosa. O ser humano tem necessidade de luz. Quando os olhos vêem as trevas, o espírito se perturba.

Quando nossa alma estiver carente de amor, quando nossa paz se ver ofendida pelo império da violência, quando a desarmonia oferecer imagens sinistras de retorno ao caos; traga o infinito que paira fora de nós, Tua essência, para se unir com o finito que habita dentro de nós, nossa existência; afinal o contato entre o “Glorioso Mudo”, e o suplicante e frágil ser humano, chama-se Oração!

Peço, em nome de toda a humanidade, que Tua abençoada Estrela jamais nos abandone. Clamo que ela, brilhando para sempre, nos liberte dos pesadelos e ilumine os nossos sonhos!

FELIZ NATAL, JESUS!