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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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16 de julho

Embora essa data não signifique absolutamente nada pra você, meu caro leitor, pro garoto aqui ela é mágica, afinal eu fui inaugurado nesse dia.

Interessante notar que eu vim ao mundo exatamente no dia do meu aniversário.

Meus pais, embevecidos, olhavam pra mim e diziam: Saia daí de dentro, moleque! Chega de moleza! Acorde as faculdades que dormitam em você!

Minha avó profetizava: Esse menino tem vocação pra ser feliz!

Virando-se para os convivas presentes, meu pai sentenciava: Observem a virilidade desse cabra macho!

Sorrindo com o exagero do velho, minha mãe alertava: Mamão também é macho, e todo mundo come!

Quando aprendi falar, minha primeira pergunta foi: Mamãe, de onde eu vim?

Você veio da cegonha, meu gordinho lindo!

Ora, isso eu já sei! Eu quero saber quem transa com a cegonha?

Hoje, pela manhã, eu fiquei bastante satisfeito com o bolo imenso que a galera me mandou. Meus amigos lembraram que o tamanho dele nada tinha a ver com bondade, mas pra poder caber todas as 54 velas.

Com toda essa idade, espero que minha experiência preencha o espaço vazio das minhas limitações!

Dia de aniversário é o dia em que a gente chama a gente pra conversar sobre mil coisas, tentando clarear as fendas escuras da mente.

O festejo da vida que nos foi concedida nos faz mais sensíveis. As nódoas dos sofrimentos antigos param de incomodar. A frieza da rotina se transforma em lambidas de paixão a derreterem o gelo das defesas acumuladas.

Atravesso uma idade difícil; aquela que cai os cabelos. Deus que me ajude que me caia só os cabelos!

Estou ficando velho e também preocupado. O mundo precisa de mais gênios humildes. Hoje em dia somos poucos. Einstein morreu, Beethoven morreu, Freud morreu, Marcel Proust morreu, e eu não estou me sentindo muito bem. Ando meio deprimido desde que descobri que ninguém me conhece em Saturno.

Ontem, meu gerontologista me receitou uma colher de formol antes das refeições. Eu tenho pavor de médico que cuida pessoas da terceira idade; afinal a velhice é a única doença da qual a gente não quer ficar curado, pois a única forma de cura é a morte.

Espero viver mais 54 anos, antes de ir para o céu. Eu ando em dúvida se quero mesmo ir para o céu. Lá deve ser uma porcaria, afinal existem igrejas evangélicas cobrando 4,00 a passagem. Se fosse realmente bom, elas cobrariam no mínimo 50,00!

Minha namorada me deu um pijama lilás de presente. Ganhar um pijama lilás até que não é nada. O pior é passar o dia inteiro tirando alfinete dele e a noite, espetar o traseiro, descobrindo que ainda tinha sobrado um.

No dia do meu aniversário, eu tento, em vão, fugir das comemorações.

Toca o telefone: Alô. Quem está falando?

Eu respondo: Quer falar com quem?

Quero falar com quem está falando!

Desisto.

Eu ando aprendendo muito com o avançar da idade, pois quanto mais da velhice a gente assimila, menos da velhice a gente sente. Começo sentir o pulsar das minhas artérias enchendo o silêncio dos meus ouvidos, lembrando-me a fragilidade efêmera da vida.

Estou caminhando nas estradas da existência, parando naquelas encruzilhadas de rugas onde os pensamentos dão entrevista sobre a velhice. O bom da maturidade é que o vento estouvado da juventude não mais desarruma facilmente os cabelos brancos da prudência.

Compreendemos na velhice que não podemos saber tudo. O mundo continua com seus mistérios e lacunas. Aprendemos viver nele, sem grandes expectativas. Quando eu era pequeno, ardia de curiosidade pra encontrar cocô de índio, e papel higiênico em banheiro público. Jamais consegui.

Eu gosto mais do divertido coração do que do austero cérebro. Ele possui sangue, que circula pelo corpo e sente as coisas. O cérebro possui massa cinzenta, como um dia de chuva.

Aprendi também que não devemos colocar nossas virtudes e fraquezas numa camisa de força, sob eterna vigilância; afinal a panela de pressão que é vigiada, não ferve nunca!

Quanto à felicidade, penso que vale o que funcionar, seja ciência, filosofia, ou religião.

Cada vez que acumulo um ano, minha cara metade me lembra que precisamos nos casar. Já tentei durante o ano passado aquele velho truque do amor eterno entre o Sol e a Lua, esses solteirões inveterados. Esse ano eu vou marcar a data: 31 de fevereiro na Igreja de São Nunca, e se o governo parar de roubar!

Minha companheira morre de medo do tempo. Confesso que eu não me preocupo com sua celeridade. A gente deve ficar contente com o passar do tempo. Se ele parasse em um momento de sofrimento, a gente lamentaria até morrer. Se ele interrompesse em um momento de prazer, a gente morreria de tédio. Cabe a memória a mesma habilidade pra lembrar e esquecer. A felicidade é feita de chatices que conseguimos evitar.

Nesses 54 anos, eu tive bons sonhos. Alguns não foram realizados, mas fiquei feliz em tê-los. Choro pelo tempo partido e rio por ele ter existido!

Após esses arroubos retóricos, envio um grande olá pra todos vocês.

Ninguém vai me cumprimentar? Acredito que alguém deva estar pensando: Claro! Claro! Meu pé vai cumprimentar seu traseiro!

Obrigado, meu Deus por todos esses anos de vida e, por favor, ajude-me a continuar tentando ser essa pessoa que meu cachorro pensa que eu sou!

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Os paraísos artificiais das drogas

Durante a vida, nós giramos milhares de vezes ao redor, do desejo, da saciedade, e do tédio. Nem bem alçamos um vôo, e já queremos pousar. Tão logo chegamos ao solo, e já nos entediamos.

Talvez seja essa a razão que motiva algumas pessoas em buscar os chamados paraísos artificiais.

Seria ingênuo negar o fato de que ninguém vive sem seus pequenos vícios. Alguns deles, no sentido de parecerem inofensivos, são até chamados de hábitos. Podemos citar, por exemplo, o uso do café, cuja cafeína, um poderoso estimulante, além de bloquear a ação da adenosina, substância calmante produzida pelo cérebro,  também aumenta os níveis de dopamina e noradrenalina, compostos associados a sensação de bem estar, euforia, e estado de alerta.

Um outro tipo de vício é a paixão. Quando estamos apaixonados, os níveis cerebrais de serotonina e noradrenalina estão deliciosamente aumentados. Essas substâncias são responsáveis pelas sensações de prazer, elevando a vigília, iniciativa, e libido.

Fisiologicamente a natureza coloca a paixão a serviço da conquista, do amor, e da preservação da espécie, através da procriação. Existem indivíduos viciados pelas sensações produzidas por esse estado de êxtase, ignorando o objetivo desse maravilhoso sentimento. São os chamados Don Juans. Atravessam a vida trocando repetidamente de paqueras, sempre atrás de novas paixões, tão logo o prazo de validade da anterior termina. A paz oferecida pelo amor não os encanta. Somente se embriagam das voluptuosas sensações da paixão.

Também, os vícios de beber, fumar, fanatismo religioso, status, poder, sexo, embora cobrem um preço, são considerados menores, frente aqueles produzidos pelas chamadas drogas psicoativas.

Alguns indivíduos covardes, fugindo das agruras que a vida oferece, saem em busca da auto-transcendência por meios de entorpecentes, clamando umas férias químicas de si mesmos. São pessoas que levam a vida de maneira tão dolorosa, monótona, limitada, que a tentação de transcender a si próprios, ainda que por alguns momentos, torna-se um dos principais apetites da alma. São eles seres, cujo ideal e religião, é viver de ilusão. Acendem velas em pleno meio-dia para se livrarem da escuridão. Já não mais conseguem enxergar a luz do sol.

Essa chamada ideologia lisérgica é dramática e perigosa. A felicidade que não se modera, destrói-se por si mesma. A ilusão cria dificuldades para a razão, a qual nenhuma ajuda pode dela esperar. Sozinha, acaba se turvando.

O viciado não percebe que criar o paraíso pelas drogas é como trocar um belo jardim por uma pintura desse jardim. Um amanhecer fotografado é igual todas as manhãs. O cérebro, estimulado pelo uso das drogas, engana a si, e ao restante do corpo. Começa cedendo um fio de cabelo, mas não demora em perder a cabeça inteira.

A relação entre o corpo e a mente necessita de constantes mudanças e adaptações. Estímulos dolorosos, percepções de sofrimentos, e sensações de medo, são armas lançadas ao corpo para sua preservação e necessárias modificações. As drogas projetam um mundo perfeito. Criando prazeres mórbidos, alegrias imoderadas e irresistíveis, onde tudo é milagroso e imprevisto, levam a danação de ignorar onde tudo vai acabar. Doente de alegria, o drogado não pode mais suportar os desejos de trocar seu velho corpo por uma alma nova. Nessa efervescência da imaginação, o organismo perde seu instinto de sobrevivência e se entrega ao turbilhão de sensações e idéias.

Os maravilhosos neurotransmissores cerebrais, secretados de forma fisiológica, alimentam a esperança, embriagam a paixão, enaltecem o amor, preservam a motivação, valorizam o sofrimento, respeitam a dor. Mas, quando estimulados de maneira química, eles se tornam suicidas e homicidas, transformando anjos em bestas, apagando as estrelas e desmontando o sol.