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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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Coco amarelo

É da natureza do jovem, achar que nunca irá envelhecer. Também pensava assim. Pior ainda é que, durante essa época, jurava ter sido eu quem tinha inventado a juventude.

Esse período, sem nenhuma dúvida, é a melhor fase da nossa existência.

De nada adiantaria, culpar o tempo pelo rapto desses anos dourados. Pois, correndo desesperadamente atrás dele, tentando realizar nossos sonhos, é que não o percebemos chegar, e nem partir.

Mas calma! Talvez com pena de nós, ele sempre deixa suas lembranças. Que bom! Alimentando a memória apaixonada, não permitimos que o tempo nos envelheça!

Amor! Amor! Amor...fética da paixão já provocou devastadores incêndios no meu coração!

Um tanto infantil, vivia prometendo-me amor eterno, com a mesma rapidez que, mais tarde, jogava-me no inferno.

Mesmo, guardando em si a semente do infortúnio, a paixão sempre foi mágica. Talvez porque, ao contrário do amor, alimenta-se de sonhos.

A certa altura da vida, abdicamos dela em nome do verdadeiro amor.

Percorrendo o caminho inverso, irei visitar meu passado. Levando todo meu amor, para trazê-lo de volta apaixonado!

Terminava o ano de 1968. O dia 31 de dezembro corria para encontrar-se com 1969. Sua bela manhã ensolarada, já fazia parte do passado. Havia deixado a Praia da Costa saudosa, e o meu corpo de 16 anos, com um lindo bronzeado.

O tic-tac do relógio era como o coração do tempo, batendo forte de emoção.

O velho cuco na parede, notando que já eram 18 horas, convidou a bela noite de verão para chegar. Lentamente acariciando 1969 em seu útero, ela beijou o sol, cobrindo-o com seu manto de estrelas, enquanto surgia no horizonte, prenha e misteriosa!

Também me convidei para um prazeroso banho. Enquanto ensaboava o corpo, cantarolava uma melodia de minha autoria, que dizia:

"68! Me ouça hoje, antes de ir.

Vivendo em ti, chorei.

Sofri, amar, nem sei.

Saudades, vou sentir.

68! Sei que hoje você vai partir.

Vou guardar aqui no peito.

Suas virtudes. Seus defeitos.

As coisas que aprendi!"

Desculpe-me. Mas todo garoto de 16 anos acha que já sabe tudo na vida. Ledo engano! Eu não sabia nem mesmo o perigo de investir numa paixão, inebriado pelo espírito de natal e ano novo. Desconhecia também o pedágio que ela cobra para te levar ao amor: -Dor! Muita dor!

Camila! Eis aqui a materialização da paixão.

Fui apresentado a essa bela jovem, por uma conhecida de ambos, naquela cálida última noite de 68. Estávamos todos reunidos na casa dessa amiga, festejando a virada do ano.

Embora não estivesse participando do amigo oculto, logo que travei um bate papo com aquela musa, percebi que o meu amigo-X seria a paixão.

Todo ser apaixonado, trata logo de inventar exageradas virtudes dentro do outro. Mesmo sendo muito bonita, meu coração tratava de aperfeiçoar sua beleza. Na verdade, a paixão filtra o belo, afastando o feio.

Devo, certamente, ter encantado a princesa, pois fui convidado por ela para lanchar, no primeiro dia do ano, com seus pais.Para impressionar os velhos, apareci por lá vestido de forma social, portando-me de maneira elegante, polida, cortês e educada.
Camila morava numa bela casa de muro baixo, localizada na orla da antiga Praia do Suá.

O local inspirava requinte, sofisticação e glamour. Talvez por isso, meu nervosismo aumentou. Tive vontade de retornar para casa, mas afastei a ansiedade para longe e apertei a campainha.

A empregada abriu a porta de forma solene e pediu que eu entrasse. Nem bem coloquei os pés na sala, surge a causa do meu desespero:

-Um pequeno cão branco, de nome "Júnior", que insistia em querer transar com a minha perna.

Apavorado com aquela libidinosa atitude, chutava o tarado animal, tentando tomar controle da situação. De nada adiantava, pois quanto mais eu assim procedia, mais ele se excitava.

Após alguns instantes, apareceram: Camila, seu pai, sua mãe, e o irmão caçula. Parados na minha frente, contemplavam a cena inusitada:

Júnior agarrado na minha perna, rosnando pela posse do seu objeto sexual. Eu, vermelho feito camarão, tentava convence-lo de que ele não fazia meu tipo e que eu, também, já era comprometido. De nada adiantou. Cachorro apaixonado não larga o osso, digo, perna.

Foi aí que Camila atinou para o risco que o seu Totó corria, de levar um chute nos testículos, e pegou o lascivo vira lata no colo, acalmando-o.

Achei que fosse morrer de vergonha. Mas, a atitude meio alheia e distante da família de Camila, me protegeu.

Daí, fomos jantar.

Eu não sabia, mas não existe algo mais traiçoeiro no mundo, do que guaraná com pizza. Explico:

-Todo jovem possui uma fome da moléstia. No meu caso, um pouco mais, pois sempre fui meio gordinho.

Após ingerir grande quantidade de pizza com guaraná, o estômago age da seguinte maneira:

Sóca , para caber, toda pizza em seu fundo. Posteriormente, inunda seu terço médio com litros de guaraná e reserva a parte superior para os gases do dito refrigerante.

Moral da história: -No momento em que você, sem perceber, tentar emitir um pequeno som. Uma palavra apenas. Um despretensioso grunhido. Um murmúrio talvez, esse gás sairá como um vulcão em atividade, colocando-o numa "rabuda" de vergonha e constrangimento, não imagináveis!

João! Perguntou a doce Camila: -Quer mais um pedaço de pizza?

Nem bem abri a boca, o gás expelido fez vibrar meu "não obrigado" na forma de uma brutal eructação, tão tonitruante quanto desconcertante!

Camila baixou a cabeça. Seu pai riu. Mas o pior veio de sua mãe, ao dizer: -Crédo!

Completamente sem chão, clima e humilhado, arranjei uma desculpa para ir embora.

Mas para minha surpresa, Camila me convidou para ir à praia com eles no dia seguinte.

A primeira noite do ano devolveu minha auto-estima, tanto que, lá fui eu com a família dela, em direção à Praia da Costa.

Antes de chegarmos ao local denominado sereia, tive minha primeira aula de alienação, quando um garotinho, aproximando-se do nosso carro e, encostando na janela, falou:

-Dona! Me dá um dinheiro pra comprar um pão?!

Minha candidata a sogra respondeu-lhe: -Não dou não! Já são quase onze horas! Senão você não almoça!

Calado estava! Calado fiquei! Embora pudesse ouvir o barulho da decepção gemendo no meu coração.

Cadeiras armadas! Guarda Sol aberto! Toalhas estendidas. Lá estava João! Todo prosa, passava filtro solar em Camila, enquanto untava sua alma de orgulho.

João! Compra um coco pra mim?

Claro! Claro!

Naquela época, não era muito fácil achar água-de-coco na praia, mas minha paixão possuia um faro incrível. Encontrei o dito cujo.

Puxa! João! Eu queria coco amarelo!

Andei mais três quilômetros atrás desse fruto raro. Mais uma vez, minha paixão, com tamanha determinação, encontrou aquele objeto de desejo da gatinha.

Mal entreguei o troféu, Camila derramou sua água nas mãos e espalhou pelos cabelos, enquanto dizia: Água-de-coco verde não é bom para os cabelos. Tem que ser coco amarelo.

Fingi não ter ligado. Via de regra, jumentos são mansos e não reclamam!

Para retomar o controle da situação. Também com o objetivo de impressionar. E, finalmente com o intuito de mostrar poder, resolvi nadar até o trampolim, localizado numa pedra alta, bem em frente a sereia.

Correr sobre a prancha de madeira, e posteriormente saltar de cabeça, já estava muito manjado. Resolvi inovar.

Como muitos já tinham pulado, aquela grossa tábua estava molhada e escorregadia. Pensei:

-Vou deitar de barriga para baixo, dar bastante impulso, escorregar e sair voando para a glória.

Assim procedi. Contudo, para minha desgraça, o calção prendeu na quina da prancha e voei, nuzinho, para a fama.Imagine um corpo pelado despencando do alto de um trampolim, tendo como platéia, milhares de banhistas e a família de sua amada.

O mundo afinal não é tão cruel. Um pescador me emprestou um enorme calção de nylon, cheirando a peroá, e lá fui eu, sob efusivos aplausos, sem saber o que dizer, encontrar minha princesa,.

Embora tenha virado notoriedade na praia, minha fama não interessou muito a família de Camila, tanto que eles se levantaram e partiram.

Mais tarde descobri o quanto valia meu amor para Camila: -Foi, mais ou menos, o que seria hoje, vinte reais!

Naquele mesmo dia, ela foi intimada a decidir: -Ou João, ou a mesada?

Ela preferiu a mesada...

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O tempo como remédio

A medicina anda tão evoluída que a indústria farmacêutica vem lançando remédios até para doenças que não existem.

A florida variedade de pacientes que peregrinam nos consultórios médicos alimenta o rendoso mercado das drogas farmacológicas, sejam elas, efetivas ou meros placebos.

Doutor! Eu gostaria que o senhor me prescrevesse uma doença, pois o remédio eu já tenho, informa o paciente enquanto despeja uma sacola cheia de medicamentos sobre a mesa. Frente essa inusitada situação, o profissional demora descobrir que o indivíduo na verdade está pedindo para ele ver se algum daqueles remédios que outros médicos receitaram antes pode ser utilizado para tratar sua misteriosa e recalcitrante patologia.

Setenta por cento das enfermidades que vicejam em nosso corpo, são funcionais, ou seja, não apresentam nenhum substrato orgânico. Em função disso, elas buscam o caminho da cura, espontaneamente.

Eu não quero dizer, com isso, que devemos relaxar frente qualquer queixa de um paciente, ignorando seus sofrimentos, medos e apreensões.

Patologias graves, perigosas, emergentes, que requerem pronta intervenção, pelo risco iminente de morte e pela viabilidade de cura que apresentam, são bastante freqüentes.

Todo sintoma deve ser analisado, entendido, e tratado, inclusive aquele que é utilizado pelo indivíduo para manifestar suas carências, aliviar sua solidão, ou chamar atenção.

Existem pacientes hipocondríacos que são mestres na valorização exagerada de seus sintomas. Pergunta um deles: Doutor! Eu sou diabético! Semana que vem irei ao Rio de Janeiro. Não haverá risco caso eu resolva visitar o Pão de Açúcar?

Ao contrário do que se pensa, esse paciente representa um grave perigo para seus familiares. Acostumados com suas patologias mirabolantes e fantasiosas, até o médico costuma baixar guarda, não percebendo o momento em que ele, efetivamente, estiver doente.

Por outro lado, tropeçamos sempre com pacientes que nada temem, escondendo seus males, evitando com isso, o confronto com a realidade. Um deles, sendo submetido a um check- up, informa: Doutor! Eu quero fazer um exame completo pra ver se está tudo bem. É que eu vou casar!

Quantos anos o senhor tem?

Eu faço noventa e cinco, semana que vem, responde ele ao médico.

E sua noiva?

Vinte e um.

O senhor deve tomar cuidado. Sexo nessa idade pode ser perigoso, não?!

Bom, doutor! Paciência! Se ela morrer, morreu!

Valente ou covarde, o certo é que muitos não se dão conta da importância da doença na vida do ser humano.

Quando adoecemos, muita coisa muda em nós, além de nossas funções orgânicas. Quantos recantos do nosso ser não se terão modificado enquanto sofremos deitados num leito de hospital!

Várias pessoas adoecem e assim permanecem, por não saberem ouvir seus sentimentos, que se tornaram estranhos, se vendo colocada a sós com a estrangeira doença que veio visitá-la. Todavia, é função desse hóspede transformar o ser que ele veio visitar.

A doença é o meio de que o organismo se serve para se libertar de um corpo estranho, seja em si próprio, seja na mente.

Quantas vezes bastam apenas á gente ninar nosso sangue revolto, que nossa pressão volta ao normal!

Talvez por isso a pessoa doente chama-se paciente. Ter paciência frente uma enfermidade é o segredo da cura. Nutrir esperança significa esperar pacientemente, ao contrário de ansiedade, que significa ansiar, esperar com aflição!

A palavra remédio vem de fármaco (Farmakon) que significa enfeitiçar. Por esse motivo a administração de um medicamento em um vácuo emocional nem sempre produz os efeitos esperados pela previsão farmacológica

O primeiro médico do indivíduo enfermo deve ser ele mesmo. Convém procurar compreender os caprichos do seu organismo e dar tempo ao tempo; esse fármaco milagroso! Há dias em que o próprio médico nada pode fazer senão esperar e prescrever tempo!

Nenhum fármaco cria uma função. Ele apenas acelera, retarda ou a modifica. Medicamentos são prescritos apenas para que o corpo tenha tempo de curar a si próprio!