As Renas do Mar
Na qualidade de anfitrião do Sol, o Verão prima pelo calor, vida e alegria. Se navegar é muito bom; nessa deliciosa estação então, é bom demais!
Situações inusitadas, como a que agora irei narrar, ajudam ornamentar e colorir esse período do ano.
Navegando no último final de semana, lá estávamos: eu, minha namorada, um sobrinho e dois casais de amigos.
Serpenteando o litoral de Guarapari, belo balneário localizado no Estado do Espírito Santo, nossos olhos pousaram, quase que ao mesmo tempo, sobre aquela silhueta rosa, desfilando ao largo das praias. Tratava-se de uma Escuna Gay. De nome sugestivo: ARCA DE NOÉ, a majestosa embarcação flutuava carregando toda aquela bicharada.
Motivados pela curiosidade e excentricidade do barco, nos aproximamos, sendo gentilmente convidados para subir a bordo.
Apesar de não nutrir preconceitos sobre gostos, diferenças, preferências, ou, coisa que o valha, fiquei meio constrangido. Todavia, convencidos por minha namorada, nós fomos em frente e acabamos rindo bastante com aquele estado de espírito alegre (gay, ao pé da letra).
Ouvimos algumas histórias hilariantes, interessantes e inteligentes.
Ficamos sabendo que os nomes das quatro renas de Papai Noel: Cupid, Rudolf, Comed e Vaxten foram tomados como alcunha por alguns deles.
Cupid, como gostava de ser chamado o mais gay dos tripulantes, disputava quase nos tapas o privilégio de viajar sentado sobre o gurupé da escuna, aquele mastro horizontal que se projeta no bico da proa, sendo que, pelas suas características, dispensa maiores explicações.
Rudolf, gay meio enrustido, lamentava do eterno preconceito vigente da sociedade. Dizia ele que até a lancha da Capitania dos Portos passava longe, preferindo não aborda-los, fingindo não vê-los.
Eu, tentando contemporizar, explicava que talvez eles não tivessem visto mesmo.
Não ver esta embarcação é como não enxergar o Arco Íris! O problema é que os homens morrem de medo do seu lado feminino. Ainda bem que os documentos da escuna estão em ordem.
Comed era talvez o mais viril de todos. Alguns afirmavam que ele nasceu gay e estava querendo virar homem. Outros, entretanto, diziam que ele veio ao mundo macho e ainda não havia decidido abraçar a irmandade.
As fainas de navegação eram praticadas com determinação por ele, afinal sua força física se aplicava bem nesses procedimentos.
Finalmente, a figura mais interessante da rosada fauna era Vaxten, pouco conhecido por esse apelido e mais pelo de Capitão Gay. Tratava-se de um prodígio de inteligência! Misturava física, história, religião, filosofia, geometria e bom senso em tudo que dizia.
Fascinado pelo magnetismo das pessoas e do universo, atraia e sentia-se atraído, não apenas pelas suas óbvias necessidades, mas pelo seu talento e notável carisma.
Dizia ele que, desde pequeno, ficava admirado com sua preferência de dormir, apoiando a cabeça na cabeceira da cama, sempre virada para o norte. Quando, fora de casa, viajando, ou em casa de parentes, o leito estava com a cabeceira voltada para o sul, mesmo adormecendo nessa posição, acordava confuso observando que durante a noite, involuntariamente, virava sua cabeça para os pés da cama, direcionada para o norte! Afirmava que seu coração, energizado, buscava o pólo magnético da Terra.
Também lembrou o fato de que muito antes do homem utilizar astrolábio, sextante, bússola e GPS, aquela pomba libertada por Noé, ao final do dilúvio e que trouxe um raminho de oliveira no bico, avisando ter encontrado terra, já possuía uma bússola dentro de si.
Concordei plenamente com isso, ao me lembrar haver lido em algum lugar o fato de que certas aves marítimas possuem terminações nervosas, captando sinais magnéticos, buscando, com isso, se orientarem, através do pólo magnético do planeta.
Após lanchar com aquela excêntrica e divertida comunidade, nos despedimos e retornamos para nossa embarcação.
Enquanto a proa da lancha riscava o mar, formando seus bigodes, pensamentos rabiscavam meu cérebro, desenhando garatujas.
Em dado momento, comentei com minha namorada: A sociedade ainda nutre um disfarçado preconceito para com o homossexualismo, afinal: pólos iguais se repelem!
Ao que ela respondeu: Eu concordo que comemos arroz com feijão e não arroz com arroz. Entretanto é sempre bom lembrar que eles se repelem apenas em sua função biológica (reprodutiva). No mais, no caldo existencial da vida sempre cabe mais um ingrediente, seja ele: amor, sabedoria, solidariedade, companheirismo, humor, cultura, fé e tantos outros valores, comum á todos os seres humanos!