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Dr. João Evangelista
Gastro-enterologista

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A intuição como arma terapêutica

Quanto mais o ser humano se distancia da natureza, mais ele vai se afastando de si mesmo, tornando sua existência dependente e complicada.

Muitos dos avanços conquistados pela medicina não ocorreram para corrigir os erros da natureza, mas sim para reparar os prejuízos criados pelo próprio ser humano, com suas dietas incorretas, seu sedentarismo apático, seu elevado grau de estresse, entre outros exemplos.

Vítima de misteriosas moléstias, o indivíduo primitivo somente podia contar com o instinto e a intuição para acalmar e debelar aquilo que atribuía à fúria dos deuses.

Muito do que hoje sabemos e compreendemos já era percebido pelos povos antigos.

Chorar sempre foi um santo remédio para aliviar o sofrimento. O que não se sabia era que as lágrimas retiram toxinas do corpo. Deve ser por isso que as mulheres vivem mais que os homens. Elas choram mais. As lágrimas lavam os olhos, essas vidraças da alma, para que eles enxerguem melhor. Deus nos deu o sofrimento a fim de realçar a excelência da alegria.

Ainda existem lugares remotos onde se combatem verminoses, ingerindo terra. Apesar do absurdo dessa atitude, convém lembrar que certos vermes provocam expressiva perda sanguínea no intestino do hospedeiro, levando a uma anemia ferro priva. Ao comer torrões de barro, sem saber, o paciente busca os sais de ferro ali existentes.

Durante muito tempo a atitude de oferecer água com açúcar para quem desmaiava por razões emocionais, gerava gracejos, embora surtisse imediata melhora. O gasto de energia produzido pela queima de glicose leva ao desmaio, essa inteligente maneira de colocar o corpo na horizontal, aumentando o aporte de sangue ao cérebro, necessário para o seu restabelecimento. A ingestão de açúcar restitui o equilíbrio.

Interessante notar nossa reação frente uma pancada na cabeça, por exemplo. A primeira atitude é esfregar o local com bastante força. Fazemos isso de forma intuitiva, pois a maioria não sabe que os sintomas arrefecem porque, para transportar a mensagem daquele estímulo tátil, o cérebro interrompe o transporte do estímulo doloroso.

Outra questão curiosa é a resposta do nosso corpo quando ameaçado por algo que implique na preservação da sobrevivência. Diante de uma ameaça, o indivíduo pode apresentar diarréia, vômitos, anorexia, incontinência urinária, e sudorese. O que faz uma pessoa frente ao perigo? Ela foge ou luta. Para isso, seu corpo deverá estar mais leve e ágil. Perdendo fezes através da diarréia, urina pela micção, e alimento pelo vômito, ela se torna temporariamente mais leve. Suando, diminui o atrito do corpo para melhor fugir ou lutar.

Estamos carecas de saber da relação entre preocupação e queda de cabelos. Quando estamos ansiosos, a produção de adrenalina provoca constrição nos vasos sanguíneos periféricos, por imperiosa necessidade de alimentar os órgãos internos. Caso, os vasos que irrigam o couro cabeludo permaneçam mais tempo com o fluxo sanguíneo diminuído, ocorrerá enfraquecimento da raiz dos cabelos, e eles tenderão a cair.

Hoje sabemos que o sal é danoso para os rins. Retendo água, ele sobrecarrega o funcionamento do coração, elevando a pressão arterial.

Quando os portugueses descobriram o Brasil, ofereceram sal para os indígenas. Instintivamente os nativos se recusaram aceitar, sentenciando: Isto encurta a vida!

Durante essa época, os navegadores, curiosamente, achavam que a cura do escorbuto poderia acontecer, comendo ratos.

Recentemente se descobriu que o rato, ao contrário do ser humano, sintetiza e armazena vitamina C, substância que evita o escorbuto, doença prevenida com o consumo de hortaliças e frutas, inviáveis nas caravelas.

Quando, ainda nos dias de hoje, chamamos uma planta de “erva daninha”, assim fazemos porque não conhecemos suas virtudes e propriedades.

A natureza provê ao que exige!

 

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Maria Magrela

Tão fidedigno quanto à variação de forma das nuvens no céu, é a mudança de visão e opiniões que temos ao longo da vida.

A dinâmica da existência nos faz rever conceitos e valores que antes julgávamos irretocáveis.

Talvez as duas coisas que mais dificilmente lidamos durante essa jornada sejam: o AMOR e a MORTE.

Quando crianças, aprendemos duas frases que formam os postulados da ética, religião e moral:

- Se você for bonzinho, quando morrer irá para o céu! Caso contrário virará churrasco no inferno! Os adultos estavam sempre a nos lembrarem dessa profecia.

Dentro das minhas limitações e fantasias, pensava e questionava:

Mas tudo que é bom leva a gente para o inferno!  Dormir tarde, fazer guerra de travesseiros, olhar, pelo buraco da fechadura, a prima tomar banho.

Mentalizava o inferno com o diabo correndo atrás da gente, espetando nosso bumbum com  aquele garfo enorme!

Quanto ao céu, era chato, apesar de bom. A gente poderia passear nas nuvens, comendo algodão doce e também voar. Mas era uma chatice o dever de casa para se preparar para ao céu, aqui na terra.

Não se podia responder aos mais velhos, mesmo estando eles sem razão. Também tínhamos que rezar todos os dias, dividir os brinquedos com nossos irmãos.

Cresci com esses paradigmas: Céu=amor, inferno=morte!

Um dia, lá pelos meus treze anos, conheci um anjo denominado: “primeira namorada”.

Sentados no banco da pracinha, olhávamos o firmamento. Resolvi então subir no encosto do banco de cimento. Ficando nas pontas dos pés, estiquei a mão, colhi uma estrela no céu e dei pra ela. Descobri nesse momento, que já não precisaria morrer para alcançar o céu! Eu estava no céu! Melhor dizendo, no paraíso!

Fui crescendo, até que tive contato com a morte. Perdi um amigo de quatorze anos. Renatinho. Morreu queimado.

Resolvi então bolar um jeito de driblar a Morte, caso ela aparecesse. Pensei: - No dia em que Maria Magrela vier me buscar, vou fingir estar morto. Ela, como empregada do Tempo, irá me conduzir à sua presença. O Senhor Tempo, seu patrão, verá então que eu estou vivo e, sem perda de tempo, digo, de si mesmo, demitirá sua funcionária, a Morte. Esta terá de me trazer de volta e eu nunca mais irei morrer! Abaixo Maria Magrela!

O tempo, que não para no porto, não apita na curva e não espera ninguém, passou...

Resolvi estudar medicina. Nada melhor para não temer a morte, do que entender a vida.

Do alto da minha prepotência, aprendi como tratar doenças. Junto ao doente, examinava suas enfermidades, seus padecimentos.

Um dia, DEUS, cansado da minha arrogância, resolveu me dar uma lição!

Estava eu no sexto ano, fazendo internato em Gastroenterologia quando, numa manhã, deu entrada em nossa enfermaria um senhor de nome Frederico. Sofria ele de Câncer hepático, doença incurável, espoliante, que ràpidamente debilita e mata o paciente.

Todos os dias eu ia colher sua história clínica, solicitar novos exames e medicá-lo. Rotineiramente fazia isso e repetidamente ouvia dele:- Dr. João! Deixe-me morrer em casa?!

Ora Seu Frederico! A gente está cuidando bem do Sr! Todos os recursos estão presentes na ordem do dia! Não te falta atenção, fármacos, exames...

Dr. João! Deixe-me morrer em casa?!  Os dias foram passando. As semanas se somando, até que, numa manhã, uma das enfermeiras do departamento de Gastroenterologia  entrou correndo no ambulatório anexo, onde eu me encontrava e aflita falou: -Corra, Dr. João! O Sr. Frederico está passando mal!

Chegando rapidamente ao seu leito, segurei em suas mãos e perguntei: - O que sentes meu amigo? Com as mãos trêmulas pelo medo, o peito arfando de angústia, os olhos marejados de tristeza, ele balbuciou:- Eu queria tanto morrer em casa!  E expirou...

Aquele brilho no seu olhar, antes de se apagar definitivamente, formara com o reflexo da lágrima, um espelho, onde eu podia ver minha imagem. Era a dor ...o desespero...a frustração...a revolta..Não era mais eu.

Desolado, fui procurar o Professor Chefe da Cadeira. Após ouvir meu relato atentamente, procurou me consolar usando frases elaboradas tais como: - O paciente era terminal...Sua doença, incurável...Pior seria ficar sofrendo!...

À noite, em casa, minha pequenez se agigantou. O Sentimento de culpa clareava minha percepção. A dor entorpecia minha arrogância.  Entendi, abençoado, a sutil diferença entre DOENÇA e DOENTE. A doença não entra sozinha no hospital ou consultório. Entra junto a um ser humano. É o doente , que sorri, chora, tem medo, esperança.

A doença traz dor, febre, astenia, vômitos, diarréia. O doente traz aflições, apreensões, insegurança. Mas carrega também sua fé!

Ao Sr. Frederico já não interessava mais sua doença. Importava o pouco de vida que ainda lhe restava. Precisava fazer as pazes consigo próprio.

O doente vencido pela doença se preparava para partir. Necessitava nesse momento, de calor humano e dignidade, buscando assim coragem para morrer. Chamava atenção, não  para o  seu corpo, mas pela sua alma. A doença ficaria com seu organismo, mas o doente se preparava para DEUS! Consciente de sua situação, não mais queria remédios, curativos, paliativos...Queria uma mão que o segurasse  e  ajudasse executar  a  tarefa mais difícil da vida: -Morrer!!!

Percebi com isso o que significa TERAPEUTA: TERA=DEUS,

PEUTA=Que trata em nome!

“SEDARE DOLOREM OPUS DIVINUM EST” (Curar a dor é obra de Deus).