Escondidinho
Gente, esse mundo dá voltas mesmo. Eu vivo contando causos, não é? Aí, de repente, sem mais nem menos, um causo acontece com quem? Comigo! E veio pronto e acabado, na ordem certinha do acontecido, do começo ao arremate, sem faltar sequer o vãozinho final de encaixar risada. Vou contar como foi.
Em meados de dezembro consegui o telefone do Padilha, um velho amigo com quem eu não falava desde sua mudança para Niterói, cinco ou seis anos atrás. Na véspera do Natal, disquei para a casa dele. Fui atendido pela voz de um menino falando baixinho, bem baixinho, quase inaudível.
- Alô? É da casa do Padilha?
- É... - sussurrou o menino.
- Quem tá falando?
- O Luquinha...
- Oi, Luquinha! Você é filho do Padilha? Aqui é um amigo do seu pai.
- Oi, amigo do papai... - disse a vozinha sussurrante.
- Não estou ouvindo você direito. Pode falar mais alto?
- Podo não...
- Tá bom. Então chama seu pai para eu falar com ele.
- Não...
- Ele saiu?
- Não...
- Ué, se não saiu, deve estar em casa.
- Xim...
- Então vai lá e chama ele!
- Não...
Respirei fundo, pensei um instante e insisti:
- A mamãe taí?
- Tá... – sussurrou Luquinha.
- Posso falar com ela?
- Não...
No relacionamento adulto-criança existe um ponto que funciona como encruzilhada das emoções. Eu estava exatamente nesse ponto, ainda sem saber se devia ficar irritado, encantado ou preocupado. Para me decidir, precisava de informações adicionais:
- Tem mais alguém aí além do papai e da mamãe?
- Tem...
- Quem?
- Eu...
Suspirei fundo de novo:
- Você, claro. Mas além de você, do papai e da mamãe, tem mais alguém?
- Tem xim... A poliça...
Levei um susto. Que teria acontecido para ter polícia na casa do Padilha?
- Luquinha, meu querido, deixar o tio falar com um dos policiais?
- Num pode... Eles tão cupado...
- Ocupados? Fazendo o quê?
- Falando com os bombeiros...
- Bom... bombeiros!? Tem bombeiro aí também?
- Tem xim... Unzi montão deles...
- Então chama um pra falar comigo!
- Não...
- Por que não?
- Eles tão cupado conversando...
- Conversando com quem?
- Com o papai e a mamãe...
A aparente gravidade do que ocorria do lado de lá da linha e a inexplicável sucessão de sussurros foram me tirando o ar, virando agonia, aflição, enfim, um tormento tão grande que minha disposição já era pular a fase da preocupação e passar logo para a do desespero, mais ainda quando ouvi uma trovoada soar ao telefone.
- Que barulhão é esse, Luquinha?
- O elecopo avoando...
Santo Deus, a coisa é muito séria, levaram até helicóptero para lá!
- Escuta, Luquinha, presta bem atenção! Você precisa contar pro tio o que está acontecendo na sua casa, entendeu?
- Tendeu...
- Então me diz: por que a polícia, os bombeiros e o helicóptero estão aí?
Após um instante de silêncio, ouço uma risadinha sapeca e a voz de Lucas, o grande Luquinha, sussurrando a resposta:
- Re-rê!... Eles tão me pocurando, tio!...
Em meados de dezembro consegui o telefone do Padilha, um velho amigo com quem eu não falava desde sua mudança para Niterói, cinco ou seis anos atrás. Na véspera do Natal, disquei para a casa dele. Fui atendido pela voz de um menino falando baixinho, bem baixinho, quase inaudível.
- Alô? É da casa do Padilha?
- É... - sussurrou o menino.
- Quem tá falando?
- O Luquinha...
- Oi, Luquinha! Você é filho do Padilha? Aqui é um amigo do seu pai.
- Oi, amigo do papai... - disse a vozinha sussurrante.
- Não estou ouvindo você direito. Pode falar mais alto?
- Podo não...
- Tá bom. Então chama seu pai para eu falar com ele.
- Não...
- Ele saiu?
- Não...
- Ué, se não saiu, deve estar em casa.
- Xim...
- Então vai lá e chama ele!
- Não...
Respirei fundo, pensei um instante e insisti:
- A mamãe taí?
- Tá... – sussurrou Luquinha.
- Posso falar com ela?
- Não...
No relacionamento adulto-criança existe um ponto que funciona como encruzilhada das emoções. Eu estava exatamente nesse ponto, ainda sem saber se devia ficar irritado, encantado ou preocupado. Para me decidir, precisava de informações adicionais:
- Tem mais alguém aí além do papai e da mamãe?
- Tem...
- Quem?
- Eu...
Suspirei fundo de novo:
- Você, claro. Mas além de você, do papai e da mamãe, tem mais alguém?
- Tem xim... A poliça...
Levei um susto. Que teria acontecido para ter polícia na casa do Padilha?
- Luquinha, meu querido, deixar o tio falar com um dos policiais?
- Num pode... Eles tão cupado...
- Ocupados? Fazendo o quê?
- Falando com os bombeiros...
- Bom... bombeiros!? Tem bombeiro aí também?
- Tem xim... Unzi montão deles...
- Então chama um pra falar comigo!
- Não...
- Por que não?
- Eles tão cupado conversando...
- Conversando com quem?
- Com o papai e a mamãe...
A aparente gravidade do que ocorria do lado de lá da linha e a inexplicável sucessão de sussurros foram me tirando o ar, virando agonia, aflição, enfim, um tormento tão grande que minha disposição já era pular a fase da preocupação e passar logo para a do desespero, mais ainda quando ouvi uma trovoada soar ao telefone.
- Que barulhão é esse, Luquinha?
- O elecopo avoando...
Santo Deus, a coisa é muito séria, levaram até helicóptero para lá!
- Escuta, Luquinha, presta bem atenção! Você precisa contar pro tio o que está acontecendo na sua casa, entendeu?
- Tendeu...
- Então me diz: por que a polícia, os bombeiros e o helicóptero estão aí?
Após um instante de silêncio, ouço uma risadinha sapeca e a voz de Lucas, o grande Luquinha, sussurrando a resposta:
- Re-rê!... Eles tão me pocurando, tio!...